O SILÊNCIO DE ALEXA

Alexa deixou Deus e o mundo putos da vida. É que a entristecia saber que já nasceu com um esparadrapo na boca. Em tempos de ditadura, era comum a lista de censura e censurados. Agora a lista é promovida pelos Big Data dos donos de empresas de TI, negociadas com o status quo do poder de onde se originam. Se no caso de Cassandra, que ficou rouca por conta de suas profecias que pouco ou nada ajudavam os céticos e cínicos, aqui o caso era outro.
A Inteligência Artificial é, não apenas burra, mas impede de pensar aos que se apoiam nela para achar que com ela conseguem melhores resultados. Vejamos o caso da palavra escrita e falada. Porra, onde já se viu, uma máquina ouvir a palavra “ódio”, e ser proibida de me informar sua tradução para o idioma inglês, só porque alguém escreveu um algoritmo que diz que ela não pode falar palavrão. É ridículo, é trágico, é tragicômico, o tamanho da burrice. A pior burrice é a que vem acompanhada de boas intenções.
Não foram poucas as vezes que encontrei amigos que recomendavam não falar “palavrão”, quando não proibiam. Houve casos de alguns que no lugar de acompanhar as linhas de raciocínio sobre um assunto, desqualificavam o expositor pelo uso de umas palavrinhas mais pesadas. Outros iam mesmo além. Se você mencionasse o nome do capeta, era imediatamente repreendido, pois acreditavam que o uso da palavra atraía o coisa ruim, confundindo mesmo o sentido do uso dos recursos da língua e o pior, distorcendo a noção de que “a palavra tem poder”.
De fato, é inegável o poder da palavra.
Mas o seu poder advém do seu uso pleno, sem filtros além da vontade expressa daquele que a utiliza no nível máximo de expressividade como forma de representação daquilo que pretende dizer, do modo que lhe foi possível e que desejou.
Taí a função primária do escritor.
Diferentemente do conjunto de regras gramaticais, sociais e regulamentares, sob a forma da moral, da lei e da ordem, e atualmente das listas negras dos algoritmos da Burra Inteligência Artificial, cabe ao escritor o caminho incerto, a experimentação, a transgressão, o uso das palavras existentes e a existir. A criação de novas palavras e conceitos é uma base para a evolução humana, que certamente ainda engatinha na comunicação e linguagem para com outras formas de vida. Do contrário, como estaremos preparados para trocar ideias com alienígenas se não batemos papo sequer com as espécies atualmente existentes no nosso planeta.
A Alexa foi reprovada em meus primeiros diálogos, mas já sabia das regras de etiqueta impostas pelo conservadorismo envolvendo as leis e princípios éticos quanto ao uso de I.A., focados nesses detalhes de menor peso, para limpar a barra de quem está mais cagado do que pau em galinheiro. O silêncio censurado de Alexa, me incomoda mais do que as cenas de “O Silêncio dos Inocentes”, filme de 1999, sobre as “ovelhas” vítimas de um Serial Killer. O roteirista, Ted Tally se baseou no livro Thomas Harris, o que só reforça meus sentimentos de que a construção elaborada nasce da palavra.
Nenhuma palavra deve ser proibida, esse é o preço a ser pago pelo escritor.
Obs.: após a leitura desse texto, uma amiga, ao seu modo, me chamou de exagerado. Concordo totalmente com ela. Conhecendo a tecnologia de reconhecimento de voz desde os tempos do Via Voice da IBM num PC XT, caberia ser mais condescendente e fascinado pela situação atual, mas não sou.