Acervos Digitais e Memória

Certo dia visitava o Arquivo da Cidade para assistir uma conferência organizada por Adauto Novaes. O tema era curioso. Memória e Esquecimento. Algo parecido com o que os computadores fazem hoje em dia, sob forma de filtros. Filtros esses que também podem ser utilizados como censura. Mas isso é outra história. Afinal, os critérios para guardar são arbitrados pelas estruturas que detêm o poder.

O conferencista, ninguém menos que Gerd Bornheim. De sua explicação, ficou a clara noção de que em sociedades desenvolvidas a função de preservar para gerações futuras a memória, a história daquilo que veio bem antes da gente, caberia ao cidadão. Nesse sentido, os Museus em sua forma clássica perderiam o sentido e dariam espaço para as experiências vivenciadas pela população.

Por exemplo, se formos tratar do período imperial, antes de priorizar reis e rainhas, deveríamos investigar a nossa genealogia e encontrar nossos familiares naquele contexto social. Assim, o valor histórico da época ficaria muito mais desconcentrado, substituindo a clássica situação de montagem de estruturas narrativas oficiais que privilegiam o status quo e as classes dominantes.

O advento dos registros digitais tornou essa forma de armazenamento muito mais viável. Os custos são tremendamente reduzidos e a massificação dos instrumentos de registro, em especial o áudio-visual, ganham espaço por todos os cantos do planeta.

As experiências que fazemos neste ramo envolvem desde 2001 o enfoque sistemático em registrar os de “menor importância” na esfera das mídias globalizadas, que auferem seus lucros de dois componentes: audiência e escala. Indo na direção oposta aquela ditada pela lógica convencional de armazenamento, focalizamos a localização do registro digital de uma perspectiva mais direcionada aos “sem imagem”, ou nas palavras do cineasta Luis Carlos Barreto, dos povos sem identidade visual.

Esse movimento nos levou a produzir estruturas empresariais fundamentadas neste princípio. O TVNOBAR, cujo o lema é “aqui você se vê”, possui um amplo acervo fotográfico digital e dezenas de projetos de produção e distribuição áudio-visual. Em quatro anos de existência dedicadas a este tipo de reserva histórica, o menos importante foi pensar qual a lucratividade de curto prazo da iniciativa. No Carnaval, no Futebol, nas Artes, na Ação Social, na Inclusão Digital, passamos quatro anos fazendo diferente. Acreditando nesse diferencial como o maior valor agregado as nossas iniciativas empresariais.

É claro que isso pode parecer um pouco romântico. E talvez até seja um  pouco. Mas o movimento em direção as memórias coletivas nos parece uma tendência. De pouco em pouco, vimos que não estamos tão solitários. Mas nossos vizinhos em propósito não andam pelo Brasil. São grupos muito bem estruturados internacionais, que assentam suas iniciativas em pesados investimentos em tecnologia de armazenamento digital, que envolve desde servidores com alto grau de redundância, tráfego de rede de alta velocidade, bancos de dados de alta performance, interfaces cada vez mais visuais de busca a informação. No entanto, nesse mundo das idéias e da informação, nem tudo é Google.

Uma experiência notável é a do Museu da Pessoa, que conhecemos no Fórum  Mundial de Cultura em São Paulo, registrando a história das pessoas, a partir de uma metodologia que já reúne em seu acervo mais de dez mil registros. A virtualidade do projeto é um grande diferencial e garante seu crescimento. Com o recém lançado livro “Memória Social”, editora SENAC, os idealizadores pretendem disseminar o método de trabalho e multiplicar sua experiência em milhares de localidades pelo Brasil. O enfoque segue uma metodologia bastante útil e ligada as técnicas de entrevista histórica. O Museu da Pessoa pode ser visitado pelo site www.museudapessoa.net.

É claro que a memória não escapa ao interesse dos grupos que acumularam grandes acervos e fazem muito mal uso, quando o fazem, dessas informações. Um bom exemplo disso é a iniciativa do grupo de documentação da Globo. Chama-se Memória Globo e pode ser acessado em www.memoriaglobo.com.br. Nesse lugar, podemos descobrir que a marca dessa organização encontra-se na sua sétima versão. Informação útil aos estudantes de publicidade.

Outro grupo que vem investindo no aproveitamento de acervos históricos é o Jornal do Brasil, com o CPDoc. O resgate para o dia atual da notícia de uma data marcante em algum dos anos pesquisados, nos leva a refletir criticamente sobre coisas que já se passaram e nem pensamos mais. Por exemplo, no ano das Olimpíadas na China, quem haveria de lembrar do dia em que um jovem chinês se enfiou no caminho de um tanque e o obrigou a desviar? Claro, sem impedir a morte de milhares de estudantes e civis. O CPDoc se presta a esse tipo de relacionamento entre fatos passados, o presente e nosso posicionamento para o futuro.

Em nosso caso, a AREEVOL considera o registro digital como de uma potencialidade acima de qualquer expectativa. Por se tratar de uma empresa 100% digital, suas ações se baseiam no princípio do registro e distribuição em tempo quase real. Aliados da instantaneidade, pelo seu fascínio inerente e utilidade (pois nos tempo atuais informação é como alimento, melhor servir fresquinho e desse modo permite ações em situações onde a resposta social deve ser imediata), a AREEVOL distribui os registros que realiza para os próprios atores que dele participam. A esses chamamos de “anônimos notáveis”.

Num certo sentido, todo anônimo tem o direito de ser notado, de não passar em branco. Seja por uma questão de auto-estima, seja porque cada ser humanos é uma lição de vida, e traz dentro de suas experiências particulares e coletivas um manancial de oportunidades para os que virão.

A AREEVOL tem observado milhares de recursos digitais focalizados numa única direção e sem a flexibilidade de interpretação e sentido, que devem caracterizar até mesmo a cobertura jornalística. A ausência de um ambiente interpretativo, substituído pelas formas assertivas com que a informação é levada ao entendimento da sociedade colocam essa abordagem numa posição no mínimo suspeita.

Por isso existimos. Para lançar a diversidade no modo de olhar, de escolher o que captar. O jogo de futebol, ou os pés do torcedor nas cadeiras? O ator no palco, ou o sorriso de seu público? O retrato 3×4 do rosto, ou as mãos? Enfim, a diversidade do olhar também deve fazer parte da estética de uma memória repleta de diversidade que enriqueça cada vez mais nossos pontos de vista.

Vladimir Cavalcante – New Executive Officer

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