Novas Mídias na ABL

Uma das palestras que despertou mais meu interesse foi a do engenheiro Sílvio Meira. Ao menos pela disposição de criar polêmica em vários aspectos daquilo que seria a relação entre Nova Mídia e o modo como os idiomas e culturas se desenvolverão. Falou sobre a estatística como princípio da verdade. Explico: para saber o que é a palavra certa, deve-se procurar qual é a de maior ocorrência no Google. Estaria criado assim o Googlês…

Faz muitos anos que o pessoal da tecnologia, do qual faço parte, pensa em dispensar qualquer coisa que não caiba no computador. Deveria ser o contrário, mas não é. A computação é para a maioria dos tecnólogos uma espécie de “desertificação de ecossistemas”. Se o desenvolvimento das civilizações e das culturas implicou numa sucessão de gerações para produzir a variedade e a diversidade de um ecossistema rico de possibiidades, para quem lida com tecnologia isso pouco ou nada vale.

Como os computadores dependem de algoritmos para funcionar, seguindo assim regras, códigos, leis internas, fica complicado imaginar um mundo de ambiguidades possíveis como o melhor lugar para a tecnologia. Faz tempo que ouvi um amigo defender a eliminação das acentos do idioma português, pois as impressoras matriciais da ocasião, e os teclados, e o software não possuiam esses elementos.

O que esse amigo esqueceu é que estes equipamentos e softwares não tinham apenas o que era dispensável para se escrever e imprimir em inglês. Anos mais tarde sua tese se mostrou frágil. Venceu a expressividade dos idiomas dominantes. O UNICODE e as interfaces gráficas deram conta do recado. As impressoras a laser e jato de tinta foram mais longe e permitiram assim a expressão na forma de fotografia e imagens.

Respirando aliviado? Ainda não. É que o Silvio Meira, passou pelo Comitê Gestor de Internet. Será que lá não deu tempo de aprender que a principal disputa sobre domínios não está sendo travada só para descentralizar a internet. Há também o inconveniente de termos os nomes de domínios escritos apenas com os caracteres ASCII (como nos tempos das impressoras matriciais). Na prática, países como a China, que possuem milhares de lojas e negócios internacionais, são impedidos de escrever seus domínios na forma original. Isso é um problema de ordem geopolítica virtual. Muito mais do que uma simples questão tecnológica.

Sabemos que toda tecnologia tem embarcada em si um componente político de força proporcional aos interesses de poder que a circunda. Os domínios sem acento, causam o mesmo desconforto que causaria a leitura deste texto sem qualquer acentuação. Esse desconforto só será sentido evidentemente por uma população de letrados. Os analfabetos funcionais não podem ser utilizados como base para conclusões nesse caso. Se assim o for, estaremos condenados a viver como nos tempos em que a palavra escrita não existia. Em seu lugar, a comunicação oral.

Condenados ao mundo das cavernas e a barbárie, tive a nítida impressão de que faltava um pouco de cultura geral ao Silvio Meira. A desamericanização do domínios da internet é um processo necessário; a concentração dos meios de comunicação está repleto de exemplos e o mais gritante deles é que 90% de todo o tráfego de internet de Manhattan está concentrado em Wall Street.

Sua exposição me deixou em dúvida: será que ele considerou que os presentes eram estúpidos-inocentes do programa Fome Zero, ou o nível de formação dele sobre o tema é o que ele apresentou. A segunda hipótese depõe contra a ocupação de uma cadeira de membro no comitê gestor de internet do Brasil.

Em ambos os casos, saí da ABL preocupado com os desdobramentos da contra-informação e deserviço prestado por um seminário que se propunha trazer ao Brasil uma condição madura de discussão sobre os desdobramentos dessa coisa chamada nova mídia.

Quando a interatividade der sinal de vida nos Seminários da ABL, coisa que nunca vi acontecer nem na Escola Superior de Guerra, os espectadores sairão da condição de macacos de auditório de um velho programa de TV, para habitar o mundo da expressividade, coisa que as tecnologias já permitem.

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