2011: O Tempo do Novo

Sidney, Malásia, Moscou, Pequim, Paris, Madri, Londres, Rio, São Paulo, Bogotá, San Francisco e muitas outras cidades vivem quase a simultaneidade da comemoração de um mesmo instante: O Ano Novo.

Isso me leva a considerar o conceito de “non-stop new year” ou “ano novo sem-parar” uma nova modalidade de confraternização coletiva. A instantaneidade com que as informações são compartilhadas pela superfície do planeta fazem tudo funcionar diferente. A mídia mudou o mundo. Mas teriam os aparatos técnicos mudado o tempo?

Neste último século, a humanidade experimentou novas dimensões do tempo. Esse sujeito, que até então era visto apenas como uma unidade de medida, sobre a qual pouco investigamos as origens, nos acompanhava no ciclo das coisas. Do nascimento até a vida e morte, ou o advento das mitologias sobre o início e o fim do mundo, tudo leva tempo. Esse companheiro da consciência humana, antes absoluto, foi relativizado pela física de Einstein. Pouco se fala sobre as implicações disso para  a vida cotidiana do homem do século XXI.

A predominância de um tempo tecnológico, comandado por “relógios de Cronos”, comandam as ações de um ser humano “sem tempo”. A escassez de um bem valioso a felicidade de cada ser vivo, contrasta com os índices de produtividade e performances em todas as áreas de produção dos centros de excelência espalhados pelas metrópoles de todos os continentes. Explodiremos o mundo na virada do ano? Irão as cidades competir quanto a qual limite para queima de fogos admissível? Alguém medirá a relação entre as 25 toneladas de fogos espalhados pelo céu de Copacabana e o aquecimento global? Creio sinceramente que não, ainda. Dentro desse tempo de “realidades”, há ainda algum espaço para discutirmos o “tempo real”.

O chamado “real time”, é um conceito computacional que se refere a capacidade de certos processadores de receber um conjunto de dados e processar os mesmos quase instantaneamente. Isso porque os primeiros computadores demoravam a “cuspir” o resultado de suas contas. Mesmo com todos os avanços possíveis, a instantaneidade preconizada na venda dessa ideia é ilusória. Um espelho é uma ilusão de nós mesmos.

A imagem, a representação de alguma coisa, nunca será “a coisa em si” e nesse sentido o “real” fabricado por um computador, incluindo o tempo, nuca será a realidade. A apropriação da noção do “tempo real” pela indústria de informática é muito mais um artifício de marketing que beira a propaganda enganosa. Quem acredita em um “tempo real” saído de um computador ou de um canal de comunicação que nos alimenta diariamente, é vítima de uma superficialidade sobre o que é constitutivo do tempo e da realidade.

Na virada do século, a própria noção de século foi afetada por um componente tecnológico, o chamado BUG DO MILÊNIO. Naquele momento, a virada de dígitos dos computadores definiu o ano 2000 como o tempo digital. As empresas investiram uma fortuna em atualização de seus sistemas para que suas operações pudessem “caber” no tempo digital do novo milênio. Pessoalmente, considero que o tempo rápido, esse que usamos para começar essa primeira década do milênio deverá ser substituído. O tempo digital, com sua operação continuada por vinte quatro horas, ao longo dos sete dias da semana é para as máquinas.

Já as pessoas estão diante desse desafio que é o de “reinventar o tempo”. Quero deixar aqui, elementos de apoio a essa reinvenção. Revisitando a história das civilizações, vemos o tempo sendo disputado por diferentes culturas. Ainda hoje, no seio de religiões hegemônicas como o cristianismo, o budismo, o judaísmo e o islamismo, vemos o tempo ser tratado em termos de suas datas e marcos de referência. Não poderia ser diferente, pois destituir suas lembranças de seus calendários seria admitir a “invasão” e dominação de uma outra visão de mundo e de tempo, pela religião que compete pela primazia para todos. Como se vê, as religiões preservam a identidade de sua matriz de tempo como um assunto de soberania interna. Vejo essa atitude como uma lição.

Indo além desse modo exemplar de tratar o tempo, vejo a localidade e a individualidade do mesmo como um bem inalienável. Ou seria exagero acusar de criminosa a aplicação de “horários de verão” ao ritmo natural de moradores de algumas cidades do Brasil? Claro está que esse descompasso entre o tempo do “corpo do cidadão” e o tempo do “estado” é passível de ser discutido e reavaliado, para muito além das planilhas que contabilizam economia e lucro para os cofres públicos e para as empresas privadas. No uso do tempo, as pessoas não podem ser esquecidas.

O tempo oferecido as pessoas tem bases científicas cada vez mais conhecidas. Entre essas descobertas, o esclarecimento de que pelo menos duas dimensões de tempo co-habitam o mesmo corpo. Para o corpo, há o tempo da função e o tempo do prazer. Em nossa fisiologia é no cérebro que acontece o “tempo real”, o biológico, que obedece a presença ou ausência de luz no ambiente. O hipotálamo “registra” (como um relógio) a noção do ciclo dia-noite, desde os primórdios e até mesmo antes da consciência racional e de maior precisão que o homem desenvolveu, a partir de sua própria máquina do tempo: o corpo humano.

Essa função, um pouco mais mecânica, equivale ao ancestral de todos os relógios de precisão utilizados em competições e em nosso cotidiano. É esse relógio que permite enquadrar absurdos como chegar 5 minutos atrasado em uma agência de correio e não poder postar uma carta. Chamaria esse tempo de “tempo duro”. Sua irredutibilidade torna seu uso um instrumento poderoso para exploração, dominação e controle. Seu aperfeiçoamento vem acentuando essa capacidade de quem o detêm com mais e mais sofisticação. Parte da vida humana é regida pela sua relação equilibrada com esse dispositivo, que mantém balanceadas as funções de atividade e repouso, ou fisiologicamente falando catabolismo e anabolismo. Deslocar artificialmente esse balanceamento costuma produzir doença nas vítimas dessas práticas.

O tempo associado menos ao nosso lado “animal biológico” e mais articulado ao “homem cultural” é o tempo da memória. A vida repleta de fatos que valeram ser vividos com intensidade, cria um tempo diferenciado dentro de nossa existência. Quem cuida dessa função é outro hipo: o hipocampo. É nele que o tempo é inventado, individualmente por cada um de nós. Sabemos que as doenças da velhice incluem a erosão da memória, demência e não há cura para essa situação vislumbrada para os próximos dez anos. O mal de Alzheimer, uma espécie de osteoporose do cérebro, torna os processos de memória cada vez mais falhos.

A ponto de não oferecer aos seus pacientes uma atitude emocional diante dos dias e das noites. Somente a memória emocional pode reconectar o ser humano ao seu “tempo real”. Um tratamento da doença, baseado em meras atividades mecânicas, rotinas robotizadas no interior dos melhores hospitais do mundo de nada adiantarão. O hipotálamo e o seu tempo cronológico é condição necessária mas não suficiente a vida, nos termos que essa se desenhou para os humanos.

Reinventar o tempo, no sentido mais amplo, implica em rever a cada ano, minuto, segundo, momento, quais as memórias que levaremos para o resto de nossas vidas. Elas são a nossa verdadeira razão de existir. Aquilo que pudemos viver, com as pessoas e seres que amamos, é o que de fato ficará registrado, o que de fato se transformará em “nosso tempo real”. A grande maioria das coisas que fizemos desde nosso nascimento ou fizermos a partir de hoje, sem ligação aos nossos sentimentos, cairá na “lata do lixo da nossa história”. Não se trata de querer ser “o cara”.

É apenas uma atitude de preservação do humano frente a robotização e mecanização do tempo que pode nos levar ao triste lugar (ou tempo) do “vazio”. Rotinas e vidas insípidas e monocórdicas não produzem marcas do tempo significativas e fazem o tempo se transformar em doenças como o tédio, a depressão, entre outras relacionadas ao desinteresse pela vida.

A vida acelerada e ocupada dos “sem-tempo”, deve ser no mínimo objeto de uma atitude mais crítica de cada um de nós. Essa vida coincide em muito com a dos “sem-terra”, “sem-teto”, “sem-cultura”, enfim “sem-saída”.

Entendo que para essas pessoas deveria exatamente “sobrar” tempo, como acontecia com a burguesia em seus primórdios. Ter tempo para ler, pensar, desfrutar da vida e principalmente, estabelecer de um lugar bem distante do hipotálamo as chamadas “prioridades existênciais”. São essas prioridades que farão no fim das contas que cada um de nós se orgulhe de ter passado pela face da Terra.

São esses os desafios iniciais que proponho a todos que terão a partir dessa segunda década, iniciada em 2011, mais algum tempo para serem um pouquinho mais humanos e criativos na “reinvenção de seus próprios tempos”.

Desejamos que você encontre um Tempo Novo na sua vida, a partir de 2011!

Vladimir Cavalcante
New Executive Officer

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