Criadores de Universos

“Toda obra poética propõe a  seu leitor  um mundo que é resultado de
um olhar que encontra outro olhar que um dia se pôs a andar pelas
paragens da humanidade e inscreveu seus traços no território da
linguagem.  Se os mundos dos grandes poetas podem se multiplicar,
isso se deve ao fato de que são capazes de multiplicar aqueles dos
que os lêem. Talvez não possamos restituir a bagagem que carregaram
para dentro de seus caminhos, e talvez não estejamos à altura da
aventura que nos oferecem em seu universo de palavras e letras, mas
certamente estaremos diante de uma obra maior do espírito se, aos
primeiros sons de seus versos, sentirmos a necessidade de continuar
a escutá-los para além das imagens e idéias que nos acorrem nas
primeiras linhas.”
(Newton Bignotto)

A pequena citação do texto de Newton nos dá a exata dimensão do que
significa a expressão “Criadores de Universos”. Ou poderia dizer
simplesmente, artistas? E dessa classe de pessoas criar categorias,
como a literatura, as artes plásticas, a música, a dança, o teatro,
o cinema, e tantas outras formas de alocação do potencial criativo
humano. Senão, o que dizer de obras geniais como o Sambódromo e a
Praça da Soberania do nosso genial Oscar?

A invenção do inferno, por exemplo, nos termos como o conhecemos
deve ao escritor da “Comédia”, Dante seus traços mais marcantes. E
assim a invenção da ida do homem até a lua, antes que lá tivesse
pisado. A invenção aqui é dádiva dos criativos de suas imagens,
histórias e conhecimento acumulado sobre o sonho da vida e suas
infinitas possibilidades. A arte se oferece como modo de expressão
para que estas construções, represadas dentro de cada ser, onde uma
“multiplicidade” de universos estão prontos para ganhar vida. Como
uma estrela Supernova, que explode subitamente dando sinal da
criação, no cosmos.

O homem criativo, ao seu modo cria microcosmos desde os primórdios e
acumula numa reação em cadeia essa tradição sofisticada e complexa.
Transferindo elementos da matéria da qual é constituído para novas
formas, os Criadores de Universos, convidam a humanidade a vivenciar
fronteiras e experimentar uma evolução, não nos moldes darwinistas.
A evolução oriunda dos Novos Universos não tem como matéria-prima o
DNA e o universo da biologia. Esse também é resultado de um
exercício mais específico, qual seja a especulação científica. Uma
linguagem com regras muito mais restritas para validação.

O universo utópico, ficcional, se transmuta sem regras e muitas
vezes sem consciência da linha que o associa a sua ancestralidade.
Como relacionar por exemplo “A Dama e o Vagabundo” com “Titanic”. O
amor estabelecido atravessa convenções sociais nas duas obras.
Permite as pessoas refletirem sobre tradições e regras sociais,
sistemas de casta, limites antropológicos e culturais. A ciência
mede. Os criadores vão para a sala escura em busca de novas
revelações. O nada que oferece espaço para que tudo possa ser
pensado, repensado e o cronômetro do big-bang volte até o estágio
onde a grande explosão do novo se institua.

Nestes termos, a Criação de Universos é um momento de grande valor
para todos. Numa escala quântica, esse  tipo de situação não se
associa a estruturas normativas, embora muitos poetas, como o
próprio Carlos Drummond de Andrade tenha sobrevivido as custas do
emprego como funcionário público. Mas as tarefas que o ocupavam como
empregado do estado não produziam a poesia que emanava de sua
criatividade.

Para Newton, “o olhar do poeta encontra um outro olhar dirigido a
tudo que está ao redor do homem”, do céu ao inferno  ele utiliza a
literatura para expressar o resultado dessa visão. Nós da AREEVOL,
vivemos intensamente essa poética. Uma poética que tem como base de
realização a liberdade de expressão.

Neste quesito a autocensura vem se tornando protagonista, ou porque
não dizer antagonista aos “Criadores de Universo”. Seja no caso de
Rigoletto, onde o autor foi obrigado a alterar nomes para exibir seu
trabalho, ou em obras literárias como “Versos Satânicos”, com ameaça
de morte a seu escritor Salman Rushdie e proibição em diversos
países, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, de José Saramago, que
também teve sua obra obstruída pela Igreja Católica portuguesa.

Aqui no Brasil, o caso de Joãsinho Trinta, com seus enredos
polêmicos e proibições sistemáticas a favor do bom costume e da
moral encontram o total disparate no carnaval de 2009. A Grande Rio,
apelidada de Acadêmicos do PROJAC, trouxe esse ano o carnavalesco
Cahê Rodrigues, para tratar de um tema de grande importância no ano
da França no Brasil: as relações entre esses dois países em
diferentes épocas. O assistente de Joãosinho nos tempos da Beija-
Flor, foi duas vezes até a cidade das luzes. Mas escorregou no tom
que refletiria a força francesa em termos de sua afirmação no
cenário internacional.

A França pode ser conhecida como um país imperialista, como uma
parte de sua história associada essas práticas. Mas para os mais
atentos, a simpatia que disseminou pelo mundo está relacionada a sua
presença como lugar símbolo da Revolução que traz conceitos adotados
universalmente: liberdade, igualdade, fraternidade. Quero me
concentrar no assunto liberdade. Cahê acertou na pesquisa e
encontrou o quadro “A Liberdade Guia o Povo” de Delacroix, como
representante do livre. Infelizmente, faltou arte na proposição do
carnavalesco.

Para quem não conhece a obra original, ou nunca foi ao Louvre, uma
interpretação particular sobre o quadro. Trata-se de uma obra que
sobreviveu a uma série de destruições feitas pela Monarquia de
quadros sobre o período revolucionário. O quadro escapou, a meu ver
por ter ficado escondido no porão de um provável apreciador dos
seios de Mariane. Ela empunha com as mamas de fora uma arma,
juntamente com a bandeira da França.

Assisti perplexo, uma Mariane pior do que aquela modelo que os
franceses contrataram para comemorar a data em Paris e que depois se
mudou para Londres, para tomar uísque inglês, por um milhão de
dólares. A atriz Cristiane Torloni pode ter tido uma ótima
performance como Joana Darc em peça teatral sobre a heroína queimada
na fogueira. Mas não é o caso de Mariane. Em pleno Rio de janeiro, a
índia tupiniquim de seios de fora e Mariane com coroa e vestida como
se estivesse indo para um baile de gala em pleno campo de batalha.
Nada apropriado a um discípulo do mestre da arte profana brasileira
do carnaval carioca.

Como se não bastasse esse tipo de prejuízo, a forma indelicada como
o lado jornalístico da maioral trata a comunidade PROJAC na hora da
cobertura é simplesmente ridícula. Metade do tempo mostrando o rei
Luiz e a comissão de frente. Na hora em que o carro xodó do
carnavalesco vai entrar em cena, convidam a Ana Maria Braga para
falar sobre sua experiência pessoal de assistir  de uma posição
privilegiada o desfile e avisar que daqui a pouco estará com a Beija-
Flor. Tenha paciência, mas acho que todos estavam esperando para ver
o Moulin Rouge e a mistura entre nossas passistas e a tradição
francesa.

Felizmente Paulo Barros existe. Esse legítimo representante dos
“Criadores de Universo” pode ser considerado um revolucionário da
mesma linhagem de Joãosinho. Este jovem carnavalesco, oxigenou com
muita arte o Sambódromo do Rio de Janeiro, desde sua estréia no
grupo especial com o carro alegórico do DNA humano. Arte em tudo que
toca, ele encontrou um ponto de ruptura por onde vai infectando o
povo com a qualidade de sua sensibilidade.

Paulo Barros sabe que seria impossível levar o povo para frequentar
as Óperas e espetáculos de Balet do Teatro Municipal. Espaço
limitado, ingressos de preços proibitivos e resistência cultural a
lugares muito elitizados afastam a população do que é mais
sofosticado. Então, aproveitando-se da excelente pesquisa e idéia
sobre o lugar da arte do palco, acertou em cheio. Levou o teatro de
rua num pocket para o Sambódromo logo de início.

Insatisfeito com isso, passeou por Pereira Passos, com a demolição
do centro da cidade e chegou ao Teatro Municipal com Ana Botafogo
representando a dança com primeira bailarina e o lago dos Cisnes. E
a realização da Ópera de Aida em plena passarela se encarregou de
apresentar a estratégia de um criativo revolucionário na sua prática
artística. Se não posso levar o povo para o Teatro, levo o Teatro
para o povo na rua. Uma aula transformadora. Seu carnaval é de uma
profundidade modificadora.

A escala e o resultado em massa para os Universos criados pelos mais
diversos artistas é uma incógnita e nem representa o ponto de
partida para muitos. Os Universos não são medidos em importância
pelo tamanho. É bom lembrar que o infinito pode estar contido entre
o número um e o número dois. A escala da audiência e do lucro podem
ser apropriadas pelo artista, mas não são necessariamente o
parâmetro que diferencia os criadores. É possível fazer sucesso em
escala com fórmulas pouco criativas. Mas os “Criadores de Universos”
existem para outra finalidade. Basta reler o primeiro parágrafo de
Newton.

Vladimir Cavalcante – New Executive Officer AREEVOL

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