A CORRIDA PELA INTELIGÊNCIA

O nome do produto é um trocadilho bastardo. Em lugar de Artificial Intelligence, termo consagrado na indústria, a empresa da maçã lança seu mais importante produto do ano, o Apple Intelligence, numa tentativa explícita de se apropriar do acrônimo AI. Muitos produtos nada pioneiros ou originais fizeram isso para ganhar as 1as posições nos sistemas de buscas, que ainda são semânticos.
Meio que por acaso, passei a parte da manhã transmitindo a um amigo especialista em desenvolvimento de interfaces minha visão sobre o momento atual do mundo digital. Dividirei as impressões com vocês e falarei sobre os anúncios feitos pela Apple nessa manhã/tarde por quase duas horas. Espero ser melhor que a matéria publicada pelo Washington Post, uma hora atrás, que não lerei para evitar contaminação semiótica.
Décadas atrás, quando nasceu o uso dos microcomputadores, as telas eram verdadeiros “buracos vazios”, a serem preenchidas por comandos baseados em letras e palavras. O lugar onde digitávamos era antecedido por um “prompt”. O computador era comandado por essas palavras, a partir das quais executava o que era pedido. O problema dessa forma de interagir, dessa interface, é que ela trazia como consequência uma espécie de elitização para o uso. As pessoas que utilizavam o computador tinham que memorizar essas palavras e suas combinações, até que aconteceu a revolução da interface com o uso das telas com ícones e menus.

A partir dali a massificação se deu de forma irreversível, avançou – como diria minha tia – para computadores de bolso, os smartphones que atingiram a casa dos 230 milhões de aparelhos no Brasil, sem os quais ninguém mais sai de casa. Quase 30 anos depois da extinção do prompt, exceto para os desenvolvedores, assisto o entusiasmo de sua ressurgência.

Pode-se dizer que a forma como a Inteligência Artificial atual aparece para o usuário final é um retrocesso na interface. Ela me faz lembrar de quando utilizei pela 1a vez um Programa desenvolvido para Mac que utilizei em simulações feitas com o uso de bases de dados de séries temporais de cotações da bolsa de valores.

Chamávamos a linguagem de “Plain English”, um conjunto de palavras que podiam ser usadas para construir um conceito hipotético para compra ou venda das ações, que após ser escrito era compilado para linguagem de computador, gerando um arquivo executável a partir do qual a base de dados passados servia para simular hipóteses de cenários para as decisões futuras. Aquilo já era fascinante na época, mas pessoalmente esperava mais do hype que acompanha o momento especulativo atual em torno da AI, ou se preferirem I.A., em português.

Quando me perguntam sobre projetos e suas viabilidades no setor de informática, lembro sempre da posição clássica do Bill Gates, querendo saber “para onde está indo o dinheiro”? A resposta para hoje é trivial: Inteligência Artificial. É fácil afirmar isso, pelo volume de dinheiro aplicado em um intervalo de tempo tão curto, na NVIDIA. Há outros indicadores que só reforçam essa clara tendência, não perderei tempo nisso.

Portanto, para quem está na estrada do desenvolvimento, o recado é esse, o Roadmap passa por esse produto na primeira posição da lista. A palestra realizada pela Apple nesse dia 10 de janeiro apenas deu a confirmação quanto a esses percentuais. Numa Keynote Speaker de 1:45 minutos, uns 30% do tempo foram dedicados ao novo produto da Apple, anexado ao seu modelo da negócios, graças a um contrato assinado para uso do Chat-GPT-4, em breve em todo o seu ecossistema e principais aplicativos. O nome comercial desse produto é Apple Intelligence, uma jogada de mestre, que permite tornar sinônimos os acrônimos que circulam e a própria marca da empresa da Maçã.

O caminho da Apple é um tanto quanto diferente das demais de seu porte, Amazon, Google, Meta e NVIDIA. O caso da Amazon exigirá que eu escreva um artigo específico, pela riqueza e estado avançado de uso de modelos de previsibilidade com o uso de Big Data e Data Science, que estudei ano passado. Uma metodologia muito útil para casos como as inundações do Rio Grande do Sul. A Apple está mais focada nas garantias de privacidade e uso restrito das informações contidas nos dados para os cidadãos. É uma obsessão perseguida pela empresa que leva a maioria dos cidadãos americanos e uma boa parte dos russos a terem essa preferência.

As fichas da NVIDIA estão lançadas na capacidade de processamento de seus chips, atualmente imbatíveis. A corrida pela hegemonia da inteligência é uma nova etapa para a humanidade. Os trabalhadores intelectuais, que se julgavam insubstituíveis nas linhas de produção finalmente encontraram uma concorrência sem alma: as máquinas que pensam.

O Brasil e seus investimentos nessa área são descompassados e desatualizados quanto a lista de prioridades para C&T simplesmente porque não é movido pela motivação do lucro na pauta de investimentos. Basta ver a greve nas Universidades públicas, engolidas por dívidas impagáveis, passando o pires em Brasília. Como se não bastasse, o conjunto de grupos locais, consolidados como lobistas para captação das verbas, torna inexequível qualquer tentativa de se obter recursos expressivos para uma área de expansão e oportunidades para competitividade. Não teremos inteligência local em nossos equipamentos, esqueçam soberania, pura enganação.

Hoje foi o dia pra usar roupa nova. Pulando dos céus para apresentar a inteligência embutida no seu ecossistema privado, em lugar de usar a nuvem de Big Data alheia. É o caminho da privacidade e da propriedade explícita.

O jogo começou, e não tem hora pra acabar.