A NECESSIDADE DE SER FELIZ

“Quem pode querer ser feliz, se não for por amor”

Ao final de alguns ciclos costumamos desejar, quase de modo automático, “felicidades”. E assim dizemos “Feliz Aniversário”, e em especial ao final de cada ano “Feliz Ano Novo”. Observando de forma totalmente irresponsável o uso da palavra em letras de músicas brasileiras, tenho na lembrança antigas canções. Em Caetano, uma letra brejeira, melancólica, que na atualidade é considerada chata:

“Felicidade foi embora
E a saudade no meu peito ‘inda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora”

Pulando de um pólo a outro, encontramos Cazuza, muito mais interessado na garantia do prazer cotidiano em batidas de rock brasileiro, no hit “Pro Dia Nascer Feliz“. Para o poeta, a felicidade morava nos quadris, atmosfera plena em 1984. É claro que a fugacidade da juventude, do frescor e a passagem para as próximas etapas que a vida apresentará não fizeram parte da sua história, deixando um espaço para outras reflexões, o desafio da efemeridade e da felicidade líquida denunciada na obra de Zygmunt Bauman.

É certo afirmar que em cada lugar do mundo os sentimentos são vividos de modo bem diferentes. Seja pelas distâncias materiais, seja pelas dinâmicas emocionais construídas no interior de cada tecido social em questão. Volto portanto ao hábito quase compulsivo de se dirigir ao outro e dizer “feliz isso”, ou “feliz aquilo”, para aproveitar a oportunidade para mudar um pouco a perspectiva automática que assistimos atualmente.

A felicidade individual pode ser entendida como um estado interior de satisfação plena, física, mental, psíquica e espiritual. É possível olhar para uma pessoa e perceber se ela se encontra nesse estado vibratório? Creio que para alguns sim. Mas cada um pode externar sua vibe de forma diferente. Há também o oposto. Já conheci casais que na dor da separação e dos conflitos mais terríveis diziam “seja feliz”, com sentimentos completamente inócuos quanto a esse desejo real.

Ao longo da história humana, dezenas de filósofos falaram “sobre” a felicidade. No momento atual, creio que as pessoas estão mais interessadas em dicas práticas sobre como elevar a minutagem de bem estar de suas vidas. Poderiam começar olhando para os lados, vale mesmo os animais, e descobrindo o que lhes deixa feliz, modelo bem mais simplificado. Li recentemente que os gatos quando estão felizes com seus donos, demonstram isso fazendo gracinhas, tipo colocando a barriga pra cima e lagarteando. Taí, observar os sinais dos demais seres vivos. Quem sabe um sorriso de uma criança?

Frases provocativas como “dinheiro não traz felicidade”, acompanhadas de um contraditório: “mas ajuda pra cacete”, trazem luz a questionamentos de toda ordem. O livro “Build the Life You Want: The Art and Science of Getting Happier“, escrito por Arthur C. Brooks, professor sobre felicidade da Harvard University, em parceria com Oprah Winfrey é, não por acaso, destaque de 2023. O mundo transborda em dor e tristeza e o jogo do contente da Pollyanna já não é mais suficiente – embora muitos ainda guardem lugar para esse clássico em suas prateleiras.

A alienação como paliativo proposto, o mergulho nas “substâncias de apoio” – expressão que criei para escrever um livro sobre produtos legais e ilegais que aumentam a resistência a determinadas dores – é um caminho curto e efêmero. Dá vida curta e por algum tempo joga pra debaixo do tapete a soma dos incômodos. Pode ser que exista uma chance de se arrumar a casa.

Faz algum tempo que atuo dedicando parte do meu cotidiano para “distribuir felicidade”. Em que sentido faço uso da palavra? Buscando sempre que possível produzir benefícios ao próximo, não num sentido meramente discursivo, mas de forma prática. As vezes envolve materialidades, noutras emoções. Se exercitar conscientemente nessa direção produz resultados incríveis. Durante esse período, assisti empresas internacionais criarem “departamentos de felicidade”, que nada mais eram do que novos serviços de atendimento, com abordagem humanizada. Tive notícias de um grande amigo que instituiu em um time de futebol de mulheres um departamento desse tipo, segundo seus próprios critérios, numa iniciativa inédita no Brasil.

Creio que assim como o mundo prepara pessoas para a Guerra, conflitos armados, litígios e disputas internacionais cabeludérrimas, redes de advogados para divórcios, guarda compartilhada, e tantas outras famigeradas circunstâncias muitas vezes evitáveis, creio que é urgente a regulamentação de uma nova profissão, junto ao Congresso Nacional: a do Distribuidor de Felicidade. Temos nesse país um alto potencial de pessoas com talento para exercer essa atividade, somos reconhecidos internacionalmente por isso. No entanto, só poderão exercer como direito de forma de vida, se tiverem como viver dignamente dessa forma.

Definir parâmetros para essa nova etapa é meu Desenho de Giz. Feliz 2224! Ops, visão pra daqui a 200 anos? Pode ser agora.