Autoral versus Comercial

Há muitos anos atrás, quando ainda iniciava minha carreira de escritor, ouvi uma entrevista pela TV que confirmou um ponto de vista que já possuia sobre a diferença entre ser autor ou ser jornalista. No trabalho autoral, o escritor é livre para assinar sua obra, do modo que lhe for mais interessante. A última palavra é sua.

Já um jornalista, empregado de uma agência de notícias, tem um salário a garantir no final do mês e deve obediência a linha editorial do veículo que escolher para exercício do ofício. Desde então vivo aliviado com o fato de que posso não ganhar dinheiro como escritor, mas ganho o direito de escrever o que julgar apropriado a representar com palavras as idéias, os pensamentos, os sentimentos, enfim alcançar aquela tal de liberdade de expressão, que muitos jornalistas julgam e querem fazer a sociedade acreditar que possuem.

Esse privilégio exige o ofício do trabalho autoral com todos os custos daí advindos. E o preço cobrado pelos mecanismos de controle social dos dias atuais pode ser muito alto. Mesmo assim, adoro a sensação de ser escritor, nestes termos.

Essa situação se aplica a outros campos da arte, onde os custos de produção são muito mais altos e exigem uma negociação com mecanismos de financiamento para viabilizar o trabalho de um autor. O cinema é bem um desses casos.

O cinema vem sendo cada vez mais entendido como um forma de expressão humana primordialmente mercadológica. Quase uma unanimidade dos que pensam e se pronunciam sobre o assunto, colocam o mercado como um componente chave. Mas o cinema autoral contraria essa regra, simplesmente porque do ponto de vista da realização de uma obra de arte, no real sentido desse conceito, submeter a assinatura artística ao requisitos do mercado transfere o cinema da dimensão arte para a dimensão produto.

A velha história do jornalista enquadrado pelo mecanismo editorial e do autor de livros que pode expressar-se assumindo as consequências do resultado do trabalho de sua caneta no papel. Mesmo que seja papel de padaria. O valor não está nisso.

E foi em meio a esse assunto que me lembrei sobre como as pessoas tendem a se referir ao trabalho autoral. Muitos profissionais chamam esse modo de produção de cinema experimental. Outros arriscam o nome de cinema-arte, o que dá um certo status. Pode se considerar até mesmo os filmes como Cult. E tudo isso significa uma total dissociação da produção cinematográfica do mercado.

De minha parte, vejo da seguinte forma. Seria muito bom que todos os seres criativos do planeta se concentrassem em fazer primeiramente de forma autoral, espelhando seu universo naquilo que criam. E depois disso, evidentemente deixar que as questões mercadológicas fossem aplicadas as suas obras. Mondrian, Picasso, Miró entre outros artistas plásticos desse mundo mais mercantil servem bem de exemplo. Foram o que acreditavam, enquanto concepções estéticas expressivas. Mas nem por isso deixaram de ter valor de mercado. Obviamente sem priorizar esse aspecto não de forma imediatista e volátil. Ganharam valor definitivo na galeria das artes que a humanidade produziu.

Gostei da matéria do JB que apresentou a visão bastante distinta entre o pensamento de Júlio Bressane “A idéia de fazer cinema pensando em se aproximar do público é cafajeste e oportunista” e o de Paulo Pons, para quem “Se sinto necessidade, mexo no meu filme para torná-lo mais atraente para o espectador”.

Nos últimos anos venho me posicionando de modo bastante crítico a política cega de audiência e lucro como vetores que definam a produção de valores para a sociedade do espetáculo. Acho que ela tem o direito de olhar para outras coisas. O convívio com amigos do circo eletrônico, extremamente sensíveis aos índices de audiência e aos aplausos sempre me fizeram perguntar: shows lotados são sinônimo de um trabalho artístico de valor? Ou resume-se a um mero surto de sucesso?

Foram essas as razões que levaram a criação da AREEVOL, para a qual a frase abaixo cai como uma luva: “Viva o cinema de invenção! Invenção que está presente no filme que fecha a competição brasileira de Gramado, hoje à noite: A festa da menina morta, que marca a estréia na direção do ator Matheus Nachtergaele. Protagonizado por Daniel de Oliveira e Jackson Antunes, o filme chega a serra gaúcha com selo da mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes, voltada para filmes com um olhar não convencional.

O resultado comercial de qualquer empreitada humana pode ser fruto de um trabalho autoral ou sob encomenda. Quando o pagador impõe seu olhar naquilo que é produzido, o resultado é a esterilização da criatividade humana a favor do poder do dinheiro sobre o que esta mesma humanidade produz.

Historicamente, os produtos mais relevantes em nossos tempos vem sendo obtidos de iniciativas cujo objetivo primário foi a coisa em si. Assim, entendo que as coisas mais importantes que venho fazendo não me valem um real sequer. O que não significa que não tenham valor inestimável para a sociedade a qual pertenço. Do mesmo modo, pode ser que me dedique a produzir algumas coisas que são, em meu entendimento, da mais absoluta inutilidade e paradoxalmente ganhar rios de dinheiro com isso.

O sucesso, incluindo aí o comercial é completamente relativo e sujeito a referências cada vez mais múltiplas. As pedradas, ameaças de morte e outras ações típicas da barbárie e do nazismo cultural, uma prática cada vez mais presente e ao mesmo tempo velada. Recebo notícias de que  pessoas do MST vem ameaçando um escritor em Belo Horizonte. O assunto requer resposta dos autores livres das amarras de práticas comuns em tempos de ditadura.

Um abraço do autor,

Vladimir Cavalcante – New Executive Officer

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