Decretos Unificadores e Autoritarismo

Manifesto a favor da Língua Portuguesa recebe adesão de milhares de portugueses intelectuais. Essa é a quarta tentativa de unificação por decreto. As três primeiras foram torpedeadas pelos praticantes locais de suas próprias especificidades.

Transcrevo aqui a posição oficial do portal da Academia Brasileira de Letras, publicada no dia 29 de setembro de 2008, com inserções críticas aos que se pronunciaram favoráveis a esse processo de empobrecimento da diversidade linguística do planeta. Esse assunto foi objeto de análise em outro texto aqui publicado.

“A Academia Brasileira de Letras realizou no dia 29 de setembro, às 15 horas, no Salão Nobre do Petit Trianon, sessão solene de celebração dos 100 anos de morte de Machado de Assis, culminando a extensa programação com que, desde março, vem homenageando o maior dos escritores brasileiros.

O Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, presidiu a cerimônia, na qual, assinou quatro decretos de promulgação do Acordo Ortográfico dos sete países de Língua Portuguesa.

Estiveram presentes os Ministros da Educação (Fernando Haddad), da Cultura (Juca Ferreira), o Governador do Rio de Janeiro (Sérgio Cabral) e os Embaixadores e Cônsules de Portugal, Angola e Moçambique.

O Acadêmico Eduardo Portella foi o orador oficial da solenidade.

A sessão solene teve transmissão ao vivo pelo portal da ABL.

Saiba Mais

O Presidente da ABL, Cícero Sandroni, afirma que ,”com esses atos, Machado de Assis será duplamente exaltado: de um lado, a Academia lhe rende a mais expressiva homenagem neste ano em que celebramos o centenário de sua morte com dezenas de realizações, entre as quais exposição sobre sua vida e obra já visitada por milhares de pessoas, na sua maioria estudantes. E de outro, a assinatura pelo Presidente Lula dos decretos que promulgam o Acordo Ortográfico dos sete países lusófonos, ato que concretiza uma aspiração de Machado, no discurso de encerramento do ano acadêmico de 1897: “A  Academia buscará ser a guardiã de nosso idioma, fundado em suas legítimas fontes – o povo e os escritores, todos os falantes de língua portuguesa”.

(Nota do blogueiro: sempre achei estranho que poetas e escritores tenham a data da morte comemorada. Algo do tipo, até que enfim morreu, ou depois de morto todo mundo vira santo. Acredito que a melhor maneira de homenagear escritores e poetas é incentivar suas atividades em vida. E considerar a assinatura de um decreto, como o nome já denota ato autoritário, realizado por um Presidente da República, torna um acordo sobre nossa língua um ato da esfera de competência política… Dois erros no modo de comemorar, cometidos por uma Academia…)

O Acordo Ortográfico:

O Acadêmico escritor Domício Proença Filho, filólogo, explica que a ortografia da língua portuguesa tem sido preocupação de estudiosos desde o século XVI. Só se torna, entretanto, objeto de regulamentação por acordos firmados por Brasil e Portugal, a partir dos começos do século XX. O último, que agora será promulgado no Brasil, representa a culminância de tentativas de superação de divergências que marcam os acordos vigentes: o de 1943, no Brasil acrescido das alterações de 1971, e o de 1945, em Portugal, com as medidas de 1973.

Mais um capítulo de uma história longe de ser tranqüila. No processo, a concretização, em 1975, de novas normas comuns, elaboradas pela Academia Brasileira de Letras e pela Academia das Ciências de Lisboa. Motivos de caráter político impedem a aprovação oficial dos cânones preconizados.

– Continua Proença Filho:

Os esforços prosseguem. E conduzem a um encontro que reúne, em 1986, no Rio de Janeiro, por iniciativa do Acadêmico Antônio Houaiss, representantes convidados dos países que, à época, adotavam o português como língua oficial, eram eles, além do Brasil, Portugal, as demais nações lusófonas agora independentes: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. O Timor Leste só mais tarde oficializaria o uso da língua comum. O acordo ortográfico elaborado na ocasião propiciaria a unificação da grafia de 99,5% do vocabulário geral da língua. Reações polêmicas ainda uma vez o inviabilizaram.

Novas negociações mobilizam, em 1989, os países oficialmente lusófonos. E um novo documento regulador é formulado em 1990. Na base dos conteúdos, o texto do Acordo de 1975 e, de estrutura, do Acordo de 1986. Consideradas as razões das divergências a ambos vinculadas. O texto final é assinado em Lisboa, em 16 de dezembro daquele ano, por representantes das nações envolvidas. Destinado a unificar a grafia de 98% do vocabulário geral da língua na dependência de aprovação pelos respectivos Congressos. Nesse sentido, ganha a anuência de Portugal, de Cabo Verde e, em 1995, dos congressistas brasileiros.

Por força da incompatibilidade entre data de vigência e de aprovação, um protocolo modificativo elimina a exigência de fixação da primeira. Tal documento é referendado por Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e, em 2002, pelo Brasil. Na agilização do processo, a Comunidade dos Paises de Língua Portuguesa, criada em 1996. No curso das discussões, estabelece-se, como regra, arriscada, que a concordância de três países representaria consenso. Tecnicamente, segundo o acadêmico, o novo acordo já poderia ter entrado em vigor.

Resistências acentuadas oficiais e editoriais, de várias origens, e dificuldades de ordem prática, entre elas o prazo de adaptação e as que envolvem a política do livro didático no Brasil, retardaram o processo, que agora chega ao ponto de conclusão com a decisão do Presidente Lula de firmar os decretos de promulgação no Brasil. – Finaliza Proença Filho.”

Dito isso, aqui começa o nosso problema. Decretos de unificação e suas associações com o autoritarismo. Há um enorme desconhecimento da população laica sobre o tema, o que obviamente inclui o atual Presidente da República. De certo que o desejo de homens advindos da política e portanto comprometidos com atos de concentração de poder, levam a crer que o instrumento do idioma pode ser utilizado para aumentar a opressão

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