Identidades Locais e Universalidade

No mundo das artes plásticas, Fernando Botero é certamente o pintor mais famoso da América Latina. Sua arte, expressamente provinciana, de um cidadão de Medellin, não deixa dúvidas quanto a opção de universalidade a partir das localidades. Para ele “o artista é universal quando está fortemente enraizado na cultura em que nasceu”.

A cultura que dá identidade a uma cidade, em sua maior parte não aparece. A parte mais visível de uma árvore, são exatamente suas folhas, mas o substrato de uma identidade vem das raízes, que no contato com a terra e tudo que nutre o espírito local.

Trabalhar com interesse permanente nesta vertente, que nos leva a encontrar o “elo perdido” de lugares com referências apagadas ou mesmo negadas pode resolver a equação-chave, aquela mesma que oferecerá ao cidadão, toda a compreensão sobre o espaço que ocupa e desse modo incorporá-lo ao seu próprio sistema de referências existênciais.

Identidade e vocação, operam juntos a projeção da imagem presente e a realização das potencialidades num futuro imediato.

Cidades como Teresópolis, raras no planeta, por combinarem a água e o verde, esbanjam saúde para todos os cantos do país e do planeta. O patrimônio identitário da cidade precisa ser preservado. Esse capital simbólico deve nortear os demais componentes acessórios de uma condição singular da cidade, que possui dois parques: um estadual e outro federal. Segundo uma liderança da cidade, talvez o parque estadual tenha maior importância para a vida da cidade.

Alguns cuidados são necessários quando adotamos como prática a transposição de casos exemplares, como panacéia a nossos desafios locais. O caso da figura de Botero é exemplar. Seus quadros expressam uma realidade memorial de uma província que sequer pode visitar, por conta do tráfico de drogas que dominou sua cidade natal.

Quadros que remetem a lembranças, foi o que restou. Para ser acatado como universal, Botero aprendeu na Europa e em outras praças que chancelam a arte para o mundo.

Bogotá e Cartagena possuem características assemelhadas a Teresópolis e a cidade do Rio de Janeiro? Sim e não. Se considerarmos que 80% da cocaína produzida no mundo vem da Colômbia, certamente que há uma enorme distância.

Se considerarmos que a ajuda militar americana, muito expressiva no governo Clinton, colocou o paradigma de soberania da nação colombiana em xeque, ainda não chegamos a esse estágio. Após trinta anos, a Bolívia que é o terceiro maior produtor de coca do mundo, convida as tropas americanas do DEA a se retirarem do país. Independentemente dos resultados negativos iniciais, o princípio da soberania é acertado. Aos americanos, no lugar da máxima “we defend everyplace”, cabe cuidar de seus assuntos domésticos.

É provável que no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, estejamos sendo preparadados, como um leitão de natal da vez, para esse tutelamento da nação hegemônica. As razões são muito distintas. Os pretextos também serão. Os mestres do discurso encontrarão seus motivos auto-justificáveis.

O Rio de Janeiro é um estado-alvo, dentro da estratégia militar americana de controle dos recursos estratégicos do planeta. Estamos nesse epicentro. Somos reservas de biodiversidade e de muita água. Para não falar do petróleo.

Há também muitas diferenças entre as cidades mencionadas. Bogotá é uma cidade capital do país. Teresópolis não é capital sequer de um estado. Os carros blindados que predominam em Bogotá, apontam para uma cidade cujo o contexto da violência coloca o cidadão em verdadeiro estado de sítio. Nesses casos, a propensão do uso da força de modo naturalizado é legitimada.

Os regimes de tolerância zero, fazem parte das peculiaridades e singularidades de lugares caminhando na direção de totalitarismo e ditaduras. Essas práticas não combinam com os ares da mais legítima prática das liberdades democráticas.

A extensão de boas referências de cidades, trata de sanear o pensamento ao reverso. No lugar de se pensar Teresópolis como uma cidade-saúde, a opção por atrelar sua vocação ao atendimento da doença em hospitais não nos parece enxergar as vantagens competitivas do espaço repleto de bem estar e pleno de vida.

O que atrai pessoas a uma cidade de qualidade ambiental intrínsica é seu potencial de realizar saúde, com práticas revigorantes e energizadoras. Ao olharmos a saúde como um sub-conjunto da doença, perdermos o traço distintivo da cidade.

Seguindo pelo mesma linha de raciocínio, é conveniente a “indústria administrativa governamental” ramificada em escala planetária sob o regime da cartilha única, apenas aumentar a escala de compra de serviços pelo governo, sem observar o rendimento dessas ações.

A ineficiência no uso dos recursos públicos hoje, deriva exatamente de operações de compra e venda, sem o cuidado com a otimização, para além das premissas de preço e especificação do produto.

Ao invés, por exemplo, de se aplicar cegamente o dinheiro na acumulação de lixo, quem sabe estabelecer leis que levem a redução da produção do mesmo. O “mais”, presente em todas as licitações esquece que a educação ambiental pode proporcionar “menos” gastos corretivos.

Várias políticas públicas apontam nesse sentido. Poucos são os gestores adotantes. Comprar “mais”, combina com o quadro de corrupção do aparelho do estado. A democracia direta, exige do cidadão que se manifeste a esse respeito de forma contundente.

A lei seca, por exemplo, demonstrou menos uma preocupação com a saúde e mais com os prejuízos econômicos decorrentes da banalização e uso irresponsável de drogas leves oficializadas, como é o caso do álcool.

Otimizar o aparelho público com seus recursos limitados, implica muitas vezes em afetar modelos arraigados a própria prática do estado e de sua relação com os setores empresariais. Mas a saúde da sociedade impõe esse ônus. O desconforto inicial produz a longo prazo bem-estar geral.

Teresópolis pode ser vista como uma cidade satélite e relacional, de peso e relevância tanto política, demográfica ou econômica menor.

Tom Jobim certa vez disse que “o Brasil era um país de muita floresta, muito passarinho e pouca gente que havia se trasnformado num país de pouca floresta, pouco passarinho e muita gente”. Os especialistas em meio-ambiente podem beber na fonte poética do Tom.

Acredito que esse ensinamento nos convida a pensar sobre a importância dos estudos de fluxo demográfico, para a partir destes valores, estabelecer políticas capazes de atingir alvos-vetores de maior significação e mudanças menos figurativas.

Projetos de efeito reduzido, do tamanho da timidez de nossas ambições, serão insuficientes para desacelerar a curva de crescimento dos problemas setoriais em estado emergencial.

A metodologia mais apropriada a solução de problemas, exige seu ataque na totalidade. Infelizmente, as maquiagens e teatralizações substituíram a competência e coragem para mudar na esfera do poder público. E esse é um fenômeno global.

Por esse motivo, cabe ao cidadão, exercer o seu direito de transformar com lucidez o lugar que vive. Esse é o papel de todos.

As cidades moram dentro de nós.

Houve um tempo em que as pessoas que habitavam uma cidade se viam como representantes legítimas delas. Cada vez mais, os dias atuais apontam para as cidades que viajam dentro de nossas memórias. A identificação com um lugar, estilo ou prática de vida nos torna cidadão eterno daquele espaço.

É importante para as cidade que ganhem  e distribuam chancelas de “cidadãos honorários” aos nobres passantes que deixaram declarações de amor e carinho, fixaram suas retinas no lugar de modo a torná-lo uma experiência inesquecível em suas vidas.

A virtualidade tecnológica ajuda a congregar essas pessoas, seja qual for o espaço físico em que estejam. É por isso que cidades como Berlim, NY e Paris estão ganhando status de TLDs na internet e brevemente serão encontradas como domínios raiz.

Quase uma década de lutas permitiu conquistar essa possibilidade. Expressar cidades em linguagem natural nos libertará da  centralização latente nos mecanismos de busca. A longo prazo, o Google tem por objetivo ser o único domínio do planeta para se localizar informação. Isso deve ser evitado.

Expressar cidades e publicar sua adesãõ num espaço cibernético, a trasnforma em lugar do mundo, para qualquer cidadão com desejo de habitá-la.

Como nos devaneios dos poetas, habitar em sonho. A virtualidade torna expensível o conceito de cidadania, multiplica nossa capacidade de expressar afeto e solidariedade por lugares, no caso cidades, e em específico por Teresópolis.

Volto a Botero, um descontraído viajante global colombiano,” alguém que traz o mundo dentro de si, que se sente à vontade em todo o lado e em lado nenhum  – apenas consigo mesmo. Primavera em Paris, verão em Petrasanta, Paris outra vez, fim de outono em Nova York, e chegada da primavera em Montecarlo.”

Um cidadão do século XXI transita e realiza escolhas e intercâmbios. Botero nos oferece uma solução possível. “Para sua obra singular, que procura ser nada mais que a expressãõ de sua identidade colombiana, esta é sem dúvida uma condição prévia. Em todos os locais, existem ateliês equipados por ele.”

A singularidade na obra de um artista, mesmo que ingênua, tradicional ou provinciano, é o atributo que aliado ao talento, o farão alçar a condição de universal.

Assim também ocorre com as cidades em seus processos de construção de identidade. Ao buscar o que lhe é único e projetar com a visibilidade que os recursos de comunicação oferece, Teresópolis pode ser universal, pois tem potencial alto para isso.

Vladimir Cavalcante – New Executive Officer

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