Marionetes e Copistas

É muito comum, na tradição popular, a referência as pessoas sem atitude própria, serem criticadas por esse traço de caráter. Os termos que servem de adjetivo variam muito. “Maria vai com as outras”, “marionete”, “pau-mandado”, “capataz”, e assim por diante.

Essa situação, caracterizada por substituir a vontade própria e o livre arbítrio pela simples obediência ao desejo de terceiros é cada vez mais incutida no comportamento do homem moderno. Isso porém se dá de uma forma mais sutil, subliminar. O que comemos, vestimos e falamos é simplesmente ditado pelos sistemas de comunicação de massa, pelos regimes de tradição das culturas hegemônicas e seus mais diversos mecanismos.
Entre eles, o teatro não pode ser excluído.

Embora originalmente tenha sido criado com a função de fazer com que o homem se visse em suas características mais marcantes, ao se tornar uma prática mecanicista, ele perde seu viço e razão primordial que justifica seu exercício. A originalidade inerente a essa descoberta, ao ato de responder a uma pergunta simples, a de quem somos nós, é rapidamente substituída pela ditadura do consumo e do mercado.

É desse modo que acabamos vitimizados, transformados em “bonecos” de uma realidade que reduz as atividades humanas a um mero apêndice do sistema.

Nesse contexto, sendo o mais critico possível, até a inovação pode ser vista como um instrumento chave no processo de cooptação do homem a ordem do consumo. Pois se uma bicicleta pode ser usada por trinta ou quarenta anos, para transportar um membro de uma igreja nos confins do interior de uma cidade dos “velhos tempos”, essa mesma bicicleta vai encontrar na mente dos jovens a necessidade de troca pelo modelo mais novo do ano, com todos os recursos de inovação que justificam perante aquele jovem a necessidade da troca. Isso se traduz numa relação liquida com os objetos de consumo cotidiano.

A cultura pop está fundamentada nesta premissa. O descartável entra na cena artística e desloca toda a produção contemporânea. Cada artista está situado num plano, dentro deste quadro de uso e descarte. É preciso rever a função das atividades inovadoras e sempre que possível dissociar seu uso da mera condição de instrumento a serviço do consumo. Inovar pode e deve ser muito mais que isso.

Há portanto um divisor de águas aplicado a nossa condição de seres planetários: os civilizados criam, enquanto os colonizados copiam. A criatividade não está ao alcance dos que herdam. A herança cultural se coloca como um desafio ao lugares novos. Ao Novo Mundo cabe descobrir caminhos locais. Oriundos de seus traços em específico. Respeitar as características climáticas, geográficas, etnias, genéticas, sociais e econômicas, todas as vezes que desejarmos fazer. Seja o que for. E isso inclui as artes.

No mundo moderno, o valor financeiro que o mercado dá aos produtos está fortemente vinculado ao diferencial do produto. Esse valor é, em boa parte, definido como conseqüência da utilização do design. Ao pensarmos um óculos, necessariamente somos obrigados a admitir a secular capacidade criativa dos italianos, que ditam as formas que prevalecem como padrão de qualidade mundo a fora. O design italiano determina o valor de um óculos. Isso se aplica a muitos outros campos de produção.
O Brasil, sendo um dos maiores fabricantes de sapatos do mundo, encontra como barreira de acesso ao mercado internacional, o fato de que seu produto não possui a qualidade criativa.

Ou seja, o sapato brasileiro é “bom de couro”, mas ruim de design. Perdemos mercado, correndo o risco ainda de ter a preferência dos consumidores locais dirigindo seu olhar aos produtos que vem de fora. A falta de criatividade e dedicação a capacitação nestas competências menos óbvias, a longo prazo nos coloca na condição de colonizados. Populações inteiras, incapazes de criar estéticas de interesse a si mesmo. Esse assunto chega a mexer com a auto-estima das populações.
No campo da produção áudio-visual de massa, a situação também não é das melhores. Apesar de possuirmos a 4a maior empresa de TV do mundo, a facilidade com que a replicação de fórmulas bem sucedidas fora do país vem se instaurando como padrão de consumo já é quase hegemônica. Alguns dos programas que são considerados como de altíssima qualidade pelos formadores de opinião e mesmo diretores dos núcleos de produção só deram aos mesmos o trabalho de ligar a TV a cabo, ou no máximo viajar para Nova York e ver os sucessos da Broadway. Essa é a lógica do sucesso do colono. Na lista, posso citar sem receio de estar cometendo injustiças, Jô Soares e Luciano Hulk como casos mais evidentes desse quadro de mediocridade criativa.

Os argumentos a favor dessa lógica apontam sempre para a questão da escala, dos rendimentos e custo-benefício, muito mais favoráveis a importação de formatos. É mais barato dirão alguns. Essas pessoas, pouco ou nada sabem sobre história econômica. Nenhuma nação desenvolveu-se como civilizada baseando seu crescimento na cópia. Foi por essa razão que os países ou grupos colonizadores impuseram severas leis contra suas colônias, como o caso do algodão na Índia, o chá nos EUA, e no Brasil o próprio sistema gráfico. Sim meus caros, para quem não sabe, o Brasil já importou jornais e era proibido de produzir informações localmente.

Sapatos sem competitividade, à altura de seu couro, a parte, o fato é que a televisão vem sendo ocupada por formatos cada vez mais descolados de nossa realidade. A importação de formatos trará a longo prazo dois efeitos nocivos aos interesses da população local: sermos aquilo que não somos (perda da referência e identidade); inibição dos criativos locais (e eles existem aos borbotões); diminuição da renda pela compra da item mais caro da cadeia produtiva (o maior valor agregado não é mais a mão de obra).

Até mesmo as universidades de comunicação e jornalismo, se contentam hoje a fazer programas para as monografias de curso, desistindo do uso de suas criatividades e jovialidade. São enquadrados para aplicar as receitas de bolo copiadas dessa TV que se copia, mesmo dentro das instituições de ensino e pesquisa tidas como superiores. Certamente não será do interior desses aparelhos de reprodução e cópia que nascerão novos formatos. Mais provável que apareçam de algum lugar, no meio da rua, no meio dos jovens que reprovam esse caráter estéril e paralisante, que argumenta a favor dessa reprodução com o argumento da necessidade de prepara profissionais para o mercado. Sim, assumidamente  o mercado de copiadores.

Porque os postos de trabalho para os que agregam valor por meio de novos formatos, estes estarão concentrados nos países sede de empresas como ENDEMOL com seus BBB’s, LOST, etc.
Os chineses e japoneses trabalham com categorias interessantes no campo da competitividade criativa. Os produtos podem até não ser originais. No lugar da originalidade, o produto pode ser clonado, copiado ou uma réplica. A réplica introduz arte no ato de copiar. É para poucos, e muito usada para gerar produto tão semelhante a um outro que chega a ser considerado uma obra-de-arte. Custa por essa razão muito caro. A cópia tem em sua principal característica a dramática redução de custos pela escala atingida. É ela que populariza marcas inalcançáveis ao de baixo poder aquisitivo. É ela que dá aos chineses seu maior trunfo para ocupar mercados globais.

Marionetes ou copiadores. Eis as opções que nos restaram. No teatro ou nas estruturas de produção modernas, vale pensar sobre que papel social exerceremos. A partir desta decisão, se colonizados ou civilizados, aí sim iniciar o nosso processo de desenvolvimento profissional. Independentemente do setor produtivo que participamos. Futebol e carnaval são bons exemplos de nosso potencial criativo e de sua permanente condição de inovação. Há muito a se fazer pelo teatro, empobrecido em todos os sentidos. Há muito a se fazer pela TV. Reduzida ao um modelo de audiência, lucro e escala. Sem futuro para realizar o sonho de uma civilização emergente a partir de um país chamado Brasil.

O Brasil, sob muitos aspectos ainda é um pais com alto grau de colonização. Mas graças a criatividade de seu povo, menos a de sua elite, vem aos poucos conquistando a condição de expressividade em inúmeros aspectos da vida produtiva. Isso inclui a arte.

Vladimir Cavalcante – New executive Officer

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