O MARACA E AS PORTEIRAS ARREGAÇADAS

vascobotafogo

Um arregaço só, bastou para desmentir os motivos falsos e fazer as máscaras caírem. Estava lá o belo Maracanã, de ontem, hoje e sempre. A atmosfera, a melhor possível. O público nos trens e metrô, da melhor qualidade, povo de verdade, criando novos hinos. É um pouco diferente das torcidas pelo resto do mundo e do Brasil. Tipo assim: uma coisa é o CR7 dançar a música do Michel Teló, outra coisa é achar que alguém vai compor sertanejo universitário na Espanha.
Há certas coisas que tem raízes mais profundas, exigem a dedicação de um tempo um pouco maior do que aquele de assistir as partidas, comprar ingressos e camisas do time. Não que as últimas não sejam válidas. São apenas diferentes.
O clima no dia de hoje, após semanas de calor escaldante e vários dias de muito frio estava, por assim dizer, perfeita para a prática do futebol. O anel externo do estádio, repleto de gente bonita, muitos jovens, as duas torcidas tem seu apelo visual, e as mulheres vem chegando com mais facilidade no Maraca, que já é uma passarela, desde a sua reinauguração na Copa das Confederações, em alto estilo.
O que vi hoje foi uma mistura de gostinho de saudades com ritual de iniciação. Sabemos pouco sobre o público. Quando muito o número de pagantes, mas não se foi a primeira vez, faixa etária, etc. Falta interesse em visitar o caso de amor.
Por alguns instantes ao longo desse início de ano, cheguei a considerar que o maior absurdo que já vi, em matéria de investimentos esportivos no mundo estava prestes a acontecer. A submissão do interesse público aos desejos exclusivamente privados nessas circunstâncias levantou muitas suspeitas e gerou prejuízos intangíveis.
Quero apontar um em especial. Na Copa de 2014, vi muitas equipes de reportagem, com orçamentos enxutos, impedidas de cobrir um número maior de jogos – o que foi ruim para o realizador e para o Brasil – pelo fato de que a escolha por gastar rios de dinheiro foi feita por quem não precisa ganhar, apenas arrecada.
Com uma lógica política, hoje fica mais claro o excesso na dose, tantas sedes poderiam ter sido poupadas. Mas optamos pelo desperdício em lugar da otimização. As equipes brasileiras de comunicação e os veículos, em especial os mais pobres, como rádios, foram assim excluídos da cobertura dos jogos, em função da fatura de valor estratosférico.
Assim também vinha se dando com a decisão de times cariocas de alocarem seus jogos para localidades distantes. Hora meus amigos, uma das vantagens que a imprensa carioca possuía em relação aos demais de outras praças era exatamente seus custos mais baixos em termos de logística. Ter que ir fazer um jogo em Manaus ou em Brasília não é financeiramente tão trivial quanto parece. Salvo se o cidadão optar por transmistir de um estúdio, sem o calor do ao vivo, diferencial de seu produto para com patrocinadores.
Não vi esse assunto ser abordado por este ângulo. Lembro-me que no primeiro Flamengo e Vasco, no novo Mané Garrincha, no Campeonato Brasileiro de 2013, a percepção de que era uma “coisa legal” predominava. Não tinha caído a ficha, era tudo meio novo, a fórmula, o modelo de negócios, e ao limitar a noção de rendimento da cadeia de negócios ao item renda, realizou-se uma miopia que não pode ser criticada, sob pena de uma anacronismo insólito. Havia um frenesi pré-Copa, um clima de oba-oba, que evidentemen já passou desde o 7 x 1 e os números de nossa economia.
Tudo que foi inventado para justificar a separação entre os times cariocas e suas torcidas locais, para fazer um Cariocão, sem Rio de Janeiro, sem Cristo Redentor, sem Pão de Açúcar, sem ingredientes de uma linguagem, de um clima, sol ou chuva, foi por água abaixo quando os portões se abriram. Lá estava aquele que foi nesse primeiro de maio chamado de “O Mais Simpático Estádio de Futebol do Brasil” pelo locutor oficial do Maraca.
O nosso Marcelo Barros foi além e traçou um histórico sobre as redes mais charmosas do mundo, ideia que acompanhei sem piscar, atento a cada detalhe narrado e colaborando como neologismo “meio-chuá”, para definir o estado atual da rede que acompanha cada beleza de gol, como o véu o faz com sua noiva.
Assim como a Bastilha caiu, as porteiras desse feudo foram arregaçadas, em benefício dos serviços que o esporte de massa proporcionam aos cidadãos brasileiros, esse que é bretão e talvez o mais democrático jogo do mundo atual. Parabéns a todos que contribuíram para que isso fosse possível.
Ainda cabe discutir legalmente o que fazer a partir dos problemas que tão cedo se apresentaram dentro da nova fase do Maraca. Acredito que o Ministério Público e audiências públicas, além de um amplo processo de discussão sobre possibilidades nos ofereceria melhores horizontes do que os que assistimos em tempos recentes.

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