Durante décadas venho acompanhando a importância estratégica nos negócios dos domínios da internet, tendo publicado “Quem Domina os Domínios”, livro sobre esse tema que considero fascinante. O próprio domínio do site em que lhes escrevo foi comprado por chineses que utilizaram por alguns anos como plataforma de um cassino virtual, negócio que conhecem bem e exploram com liberdade em Macau. Nesse lugar se fala português, uma dessas coincidências.

Pois muito bem, por detrás dos domínios existem questões semânticas, econômicas e tecnológicas. Todas elas entrelaçadas com as políticas. Por onde deveria começar? Tanto faz. Com links você pode perfeitamente navegar e ler na ordem que desejar, assim que eu colocar um ponto final – que nesse momento já não é final, pois todo produto de imprensa já segue a regra da atualização. Uma pena que Jorge Luiz Borges não esteja vivo para ler sua profecia acontecendo.

Pra começar, é importante dizer que o dono do Facebook, Mark Zuckerberg, perdeu nas últimas horas cerca de 7 bilhões de dólares. Esse assunto já nos bastaria para ocupar uma semana de relatórios com milhares de páginas sobre o valor da sua plataforma e das que ele comprou e unificou, leia-se WhatsApp e Instagram. Mas os que desenvolveram suas atividades de negócio baseando seus lucros nelas, vão pro ralo juntos. Aconteceu comigo em 2001.

Era uma bolha de internet, muito hype, a rapaziada especulativa colocou grana e gente desqualificada pra surfar na oportunidade dos sem critérios. A empresa com a qual trabalhava e possuía ações era a InfoSpace. As informações eram obtidas por todos acessando sites e portais. Nos EUA haviam 4 grandes portais, AOL, Microsoft, Yahoo e – adivinhem vocês – e algumas milhares de dezenas de sites. A InfoSpace fornecia informações de melhor preço, consolidadas de uma forma só possível nos EUA, para praticamente todos os que necessitassem dela em suas páginas. Isso lhe oferecia clientela em escala. Eu disse oferecia. A escala desapareceu quando a bolha estourou e milhares de empresas digitais menores fecharam as portas.
As ações da InfoSpace saíram do patamar de dólares para algo em torno de dólares e dali em diante o sonho de ganhar uma boa grana foi substituído por uma auto-aceleração que me levou até a porta de demissão. Nessa ocasião eu já havia começado a escrever sobre domínios.

Mais do que isso, já colecionava um embate tecno-intelectual com o ICANN, entidade americana com sede na Califórnia, responsável POR TODOS OS DOMÍNIOS DO MUNDO. Nesse período pintei quadros e literalmente o sete, tendo sido proibido de lançar o livro no evento promovido pela entidade no Hotel Sofitel em plena Copacabana. Tive que contar com a ajuda do amigo Milton Lobato, para fazer um lançamento simbólico no Clube Marimbas e de Ronaldo Lemos que promovia um evento sobre Direito Digital com advogados de todo o país e Lawrence Lessig da Harvard University.

A palavra DOMINAR não deixa muita dúvida sobre ao que se refere o verbo, forma e conteúdo IMPERATIVO. De lá pra cá, o deslocamento no território virtual se deu dos domínios para as rede sociais. Olhando da perspectiva operacional, uma grande maioria da população usuária de internet só conhece aplicativos que funcionam em smartphones. No máximo buscadores, na verdade o hegemônico, Google. Acontece que na base  das redes sociais, existem os protocolos em diferentes camadas, que fazem a mágica acontecer. Qualquer um de nós, para existir em uma rede social precisa ter um email para se cadastrar e adicionar a ele uma senha. Só então acessará esse ambiente que “esconde” os calabouços da internet. É um lugar sinistro, para o qual muita purpurina e lantejoula foi fabricada pra que uma criança de 4 anos possa acessar apertando botões. Só que os botões não vão responder sem que os DNS’s – Domain Name System – estejam devidamente instalados e resolvidos para que todas as máquinas do mundo encontrem seu endereço com a precisão que faz de um computador um objeto eternamente burro. Pra mim, precisão é sinônimo de burrice, flexibilidade é sinônimo de humanidade.

Passadas 6 horas, o Facebook volta a funcionar, o Instagram é incerto e o WhatsApp continua fora. São 18:49 no horário de Brasília, no Rio de Janeiro.

Para amanhã teremos uma audiência importante, não na CPI da COVID, nem no Congresso do Brasil. A denunciadora é uma alta ex-funcionária do Facebook e promete fazer declarações bombásticas que podem mudar o rumo que filosoficamente as redes sociais tomaram, com a anuência de seus donos e investidores, cujo ethos foi dominado pela exclusividade do lucro como mantra sem limites.

Para muitos foi como um Apocalipse. Para outros, uma tremenda abstinência pela falta por horas e horas do motivo de existência diante da pequena tela. Como sobreviver sem ela, após um dia de trabalho onde parte do tempo é dedicado a fuçar no aparelho e poder voltar solitariamente num trem lotado para casa? O mundo realmente acabou, deu muito medo para aqueles que vivem essa dependência, sem pontos de apoio alternativos a comunicação incessante como fim. O apagão global estava aí consumado. E as respostas e atribuição de responsabilidades, todas recaídas sobre uma empresa vulnerável. Como tudo é.

Ah, que alívio. Sete horas depois, meu Instagram voltou!, dirá a menina blogueira, com um curso agendado para o dia seguinte, a respeito de como tornar as pessoas bem sucedidas! Carambolas, uma situação dessas, e justo ela, cuja atividade é internet dependente, não usa sequer dez minutos para refletir sobre o seu entorno. Navegar é preciso, me dá um browser aí, quero dizer, um Brownie!

Talvez eu devesse apresentar agora a mulher de 37 anos que promete abalar o mundo com declarações ao Congresso Nacional Americano, sobre as formas de conduta do seu último emprego no Facebook. Como a Sociedade da Informação é a americana, saberemos de tudo que for publicado. Nada correrá acobertado pelo tal do segredo de justiça, que por aqui nos atrapalha enormemente a formar uma opinião pública mais esclarecida. Frances Haugen, é a denunciadora da política explícita desenvolvida pelo Facebook de incitação ao ódio e violência por motivos ligados a lucratividade do negócio.

Como em qualquer lugar, o principal objetivo da empresa será desqualificar a testemunha. Acontece que ela vem munida de fogo pesado, milhares de documentos guardados minuciosamente, estudados com a sofisticação inerente a uma profissional de qualidade. Esse tipo de decisão equivale a uma espécie de suicídio profissional. Em outros lugares do mundo, Rússia por exemplo, envenenamento é o de costume. Ela pode ter melhor sorte, e já escreveu seu nome na história. Desejo sua leitura.