ZIRALDINOS DA BUNDOSFERA

Quando se decreta a morte? Há prenúncio? Alguém escreve o prefácio com a devida antecedência? As vezes sim, as vezes não. Seja como for, ela vem, e dessa vez veio pra levar Ziraldo. Quando vejo a imagem no Sétimo Selo de Ingmar Bergman, e a fuga de um convidado, ou o caso do Motoqueiro Fantasma, entendo a alegria infantil de Ziraldo como se fosse um garoto correndo pelos campos. O Menino Maluquinho está acima de qualquer parâmetro, mesmo num ambiente tóxico, onde chamar uma criança de “maluca”, no diminutivo, possa ser um dia censurada como possibilidade expressiva. É que o mundo ficou chato pra cacete.

Uma legião de talentos, em idade madura, avançou para obras niveladas para público adulto. Não tem como Xuxa ser o mesmo produto com sessenta anos, porque a vivência e realidade da idade é outra. A minha geração respeita o trabalho dos Legionários do Pasquim, da qual escolhi Jaguar, Millor, Ziraldo, Ruy Castro, Henfil, Fausto Wolff, Ivan Lessa e Paulo Francis, não necessariamente nessa ordem. Um jornal que encarou a ditadura de frente, com picardia. A capa do fanzine, onde Ziraldo ensina como ganhar na loteria esportiva sete vezes e continuar no prejuízo é quase o prenúncio da febre dos jogos online que acabaram de receber o governo como sócio. É nesse ponto da curva que Dostoevsky perdeu para a gang brasileira: nossa complexidade real superou e muito suas tramas com 400 personagens. Falar desse nosso lugar, só com muito humor e imaginação. Do contrário, se morre aos trinta e três.

Num certo momento da linha artística do Ziraldo, o elemento satírico invadiu sua obra de forma explícita, sem direito a caminho de volta. A acidez crítica as publicações do estilo Revista Caras, levou a criação da sua arqui inimiga que se multiplicaram e são representadas em 2024 por produtos como Hugo Gloss, GShow, Surubaum, e etc., repletas de fofocas e assuntos de natureza mais íntima.

A Revista Bundas não repetiu o sucesso do Pasquim, serviu – quando não como estatuto profético – pelo menos como  posicionamento frente a pobreza das pautas dominantes nos meios jornalísticos editoriais. A grande maioria dos tablóides brasileiros se entregaram as fofocas com bastante êxito. Falar sobre jogar bolas de ping-pong com a Deborah Secco dá uma audiência extraordinária.

Foi uma experiência “estranha”, dois dias depois da ida a Exposição do Ziraldo no Centro Cultural Banco do Brasil, saber de sua “partida”. Com seus mais de noventa anos, e segundo seu discípulo Ique, já afastado das atividades que o notabilizaram a partir de um AVC, o tempo regulamentar não lhe deu os acréscimos com os quais nos acostumamos nos jogos do Maracanã, onde os geraldinos foram estirpados, numa que já foi a maior tradição de torcida popular do Brasil. É de se esperar, que não aconteça com esse genial ser humano, que teve o privilégio de desenhar mascotes para os 13 times mais importantes do país em sua época, o esquecimento da torcida dos ziraldinos, e que estes entoem o seu nome pela bundosfera interplanetária que habitará, como mostram as tirinhas apontadas por Bylucas, outro de trajetória muito peculiarmente errante, planeta arte que bandos de analfabetos culturais insistem em promover apagamentos.

Como diria Jaguar, ao criar o ratinho “Sig” do Pasquim, “se Deus havia criado o sexo, Freud criou a sacanagem”. Coube ao Ziraldo estabelecer o direito a boa loucura da criação, sem fronteiras ou idade recomendada.

Retornarei a essa constelação de Criadores de Universos em uma expansão dessa teia, por meio dos links ainda por publicar. O tempo me pegou numa esquina quântica, viajando numa cadeira da dentista de um gênio chamado Millôr.