A IMORTALIDADE DE UM ÍNDIO

Um índio chamado Ailton, entrou pelo salão da Academia. Seus textos falados poderiam ser classificados como discursos, se tivesse se candidatado a vaga no Congresso Nacional. E foi. Dono de pensamento límpido, acostumado com as máscaras em lugar de roupas, pois assim é a beleza da moda de sua gente, fez que nem os caras pintadas, usou a colorização natural do jenipapo para cobrir seu rosto de preto, em sinal de protesto. Repleto de simbologias, dono de senioridade, não abriu mão da bandana na cabeça e quem sabe tenha repetido a tintura, dessa vez nos cabelos já grisalhos.

Olhando para ele, recebo imagens de filmes dos mais variados. O último dos moicanos, por exemplo, tratando da extinção de um povo, ao qual ele se refere falando de 300 dialetos e sua representatividade em pleno momento de extermínio Yanomami. É provável que tenha lido a obra de Lima Barreto, onde Policarpo propõe tornar o tupi-guarani a língua oficial do Brasil, sendo vencido pelas formigas saúvas – essas que aparecerão de novo no livro Macunaíma, com a frase “muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são”. Me parece que as formigas foram substituídas no campo de batalha pelos mosquitos.

Em Highlander com Christopher Lambert, o inesquecível guerreiro imortal, que participa de uma espécie de “só resta um”, condenando a espécie presenteada com a vida eterna a solidão e inexistência de vida gregária. Ser adotado por outros, que não da sua linhagem, ou ancestralidade, é de fato transformar num espelho bastante distorcido a realidade. Afinal, alguém um dia acreditou que Tarzan seria aceito entre os habitantes de NY? Ou que a humanidade iria conviver pacificamente com heróis salvadores do planeta, como Superman, ou o Titã Godzilla, ou King Kong? Tenho certeza que não.

A posse de Ailton Krenak para se sentar numa cadeira da ABL sucinta muitos pensamentos, entre eles o de que o bom samaritano, na época Presidente do Brasil, José Sarney, também chegou lá, com seu modesto livro “Os Marimbondos de Fogo”. A cadeira ocupada como um ato meramente derivado da política é uma completa subversão de valores. Justo por isso, o lúcido pensador-poeta Carlos Drummond se recusou a ingressar na patotinha que havia dado entrada a Getúlio Vargas, em sua fase como ditador. Não deu pro autor de “Mundo mundo, vasto mundo, tolerar essas excrescências.

Achei muito criativo o título que encontrei na Bienal da censura, “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, que para mim já vale como livro. Vejo a provocação lúdica como um livro aberto, uma vez que ideias são frutos do pensamento, que é por definição fluido, e portanto capaz de abraçar as de quem ler ou participar desse debate sobre adiamentos do fim. Tem o mérito de se contrapor aos suicidas fanáticos das seitas que se espalham, usando o discurso do terror, do apocalipse, para converter pessoas de boa fé, incutindo o medo em lugar de promover a coragem e a formação de personalidades em busca da transformação possível.

A presença na mesa da ABL no dia da posse de Krenak mais se parecia com um momento da base governista atual, o que é muito ruim para a imagem da Instituição. Já havia acontecido no Sambódromo durante o carnaval, se repete aqui a presença de Ministros e toda a classe que enxerga nessa ocasião apenas uma oportunidade de ação política. A Literatura não está mais sendo exercida na ABL, ou talvez não precise mais, depois da construção do prédio com a ajuda do Governo Federal. É duro assistir essa domesticação a qual entidades se obrigam a se submeter para receber migalhas em troca. Enquanto isso, em Paraty, uma tribo abandonada, tem em sua área de assentamento uma Escola Municipal que ensinava Tupi, enquanto sua comunidade minguava e morria.

A Exposição Audiovisual sobre os povos Yanomami, Xavante, Krikati, Gavião, Yawanawá, Huni Kuin e Ashaninka, com fotografias do japonês Hiromi Nagakura, traz registros da parceria entre Krenak, datada de cinco viagens nos períodos de 1993 e 1998. Grupos minoritários dizimados em ritmo acelerado, deixam a pergunta no ar: quanto tempo durarão esses paraísos artificiais, frente a avalanche de barbárie que nos espera diante dos 6 bilhões de seres humanos espalhados pelo planeta, aderentes ao novo estilo Mad Max?

Obs: para esse artigo não coloquei os links usuais, optei por visitar três outras exposições, e acrescentar registros fotográficos das mesmas.