40 ANOS DE SAMBÓDROMO: ENTRE A CEGUEIRA E O INVISÍVEL

“Será como a geral do Maracanã”, disse Oscar Niemeyer ao jornalista. O que ele não poderia adivinhar é que um grupo de marginais, infiltrados em assuntos de Patrimônio da Humanidade, iriam destruir por completo o Maracanã, extinguir a geral, e mais tardiamente deformar os propósitos do projeto original do Sambódromo.

Ao assistir exaustivamente o que se fala sobre o carnaval carioca e suas Escolas do Grupo Especial, superpotências da maior exibição a céu aberto do mundo, percebo que nem o terceiro olho do Rampa, as cartas mediúnicas de Chico, a leitura do destino da cigana, tarot ou búzios, seriam capazes de revelar porque o trio Oscar, Darcy e Brizola não foram objeto de alguma homenagem por parte dos que escolhem como eixo temático esse gênero de enredo. Afinal, quarenta anos não são dois mil anos, dando a certeza da memória curta dos participantes. Talvez não seja conveniente lembrar que existe uma antes e um depois da construção do Sambódromo. Como deixar passar as falcatruas e precariedades das empresas que faturavam tubos de dinheiro, montando e desmontando arquibancadas com andaimes, um verdadeiro cartel mamando ano após ano nas tetas do estado.

Foi um ato político de talento inigualável que mudou da água para o vinho o patamar do desfile das Escolas de Samba no Rio de Janeiro. Quem estava lá sabe, contrariando inclusive a limitação de visão dos realizadores do espetáculo. Nesse sentido, a atuação do Estado se comprovou mais do que pertinente, em todos os aspectos. A repotencialização do espetáculo e sua industrialização gerou um produto audiovisual com condições de competitividade com Las Vegas, que acaba de receber investimentos da ordem de 2 bilhões de dólares em um estádio, unificando esportes aos seus outros entretenimentos. Nossa cegueira se confunde com má fé.

Digo isso frente aos novos fatos atuais, que trocaram a busca por competitividade dos arrecadadores eleitos por beijinhos em bandeiras de todas as cores, na passarela, em busca de votos, ao invés de estarem realizando novos investimentos no aproveitamento periférico do potencial da cidade. É que a carta psicografada pelo mensageiro espírita foi trocada pela recomendação do marketeiro sobre a opinião pública desinformada, embora haja farto material para pesquisa investigativa sobre as polêmicas que envolveram a criação do Sambódromo. Só posso recomendar que estudem cada vez mais e mais profundamente, para não serem substituídos por máquinas de AI.

A regulamentação e o regulamento para critérios de avaliação do desfile devem ser radicalmente mudados, isso é pra ontem, e é dever do Estado incentivar essa mudança, disruptiva, inovadora, que atualize o velho Sambódromo. Não sairá da cabeça dos carnavalescos ou das mãos dos ritmistas certas mudanças. Não é a praia deles, estão em outra dimensão, tem outros compromissos.

O trio Darcy-Leonel-Oscar, não tem páreo nessa geração, apagada de volúpia e acomodada na herança polpuda que lhes foi entregue. Um upgrade que não pode ser omitido, a Cidade do Samba, representou uma melhoria significativa na capacidade de produção dos barracões de tempos românticos. Uma ação do Prefeito que de maluquinho não tinha nada, trouxe alguma urbanidade aos produtores e elevou a altura do sarrafo, mas também acentuou o abismo entre os que produzem precariamente no meio da rua ou embaixo do viaduto. Pode ser diferente? Há certas coisas que exigem abstração, o campo do invisível é uma delas.

No campo do produto audiovisual, começamos a arranhar timidamente a evolução da linguagem dos estúdios de TV, para ter acesdo aos dispositivos elementares ao cinema e teatro. Uns dez anos atrás, comparava com o artista plástico, cenógrafo Byluca’s ao nível dos shows do Rock in Rio lá em 2015 – como os da Katy Perry – e o que acontecia na Sapucaí. A pobreza estética era decorrência da luz pra TV, exigência de um produto de exclusividade para a Rede Globo. Após 40 anos, finalmente a luz e a sombra foram experimentados com lampejos de rendimento. Observamos a diferença brutal, algumas escolas não usaram o recurso e ficaram para trás nesse quesito, que, pasmem, não será julgado, muito menos comentado. Esse produto deve ser de todos os realizadores de conteúdo do Brasil. Cada um com a sua competitividade e visão específica. Assunto a ser revisto nos contratos.

A verdade é que não temos profissionais treinados para o invisível, o que está acontecendo diante dos olhos, que não enxergam, tal qual o livro de Saramago, O Ensaio sobre a Cegueira. Dá outro enredo, outro regulamento, até os operadores de câmeras despreparados pra ajustes de white balance – ajuste do branco que deixou várias imagens lavadas, operador devia estar no automatico ou dormindo – comeram moscas. Outro que arrisca perder o emprego pra câmeras AI automatizadas…

Por outro lado, no mundo do aquecimento global e sustentabilidade, não basta desfilar dando aula sobre índio e antiracismo pro mundo enquanto 500 pessoas são atendidas em sua maioria por desidratação no calor de 50 graus. Não morreu ninguém por milagre. Justo no terreiro onde Oscar e Darcy juraram defender a humanização e o aspecto multifuncional do Equipamento, para arte, cultura e lazer não apenas nos dias dos desfiles, na época com 16 mil vagas escolares. Foda é olhar para o que acontece 40 anos depois e despertar para a regressão nos valores e princípios que regeram sua criação como espaço público. É como se o Rei Momo ficasse nu. Não dá.

É preciso acelerar a curva de mudanças do invisível, aproveitando o conjunto dessa bela obra, que exige mais pelo que entrega como uma árvore centenária que nada pede em troca. No mínimo veículos elétricos na Marquês. Nessa quarta-feira, chegamos as cinzas, é hora da Fênix renascer.