A GUITARRA HOFNER DE PAUL

Em 1961 a febre na música internacional só tinha um nome. A banda Beatles dominou todas as atenções com um quarteto musical fantástico, objeto dos mais variados desejos. O melhor documentário sobre os 250 shows da banda, entre 1961 e 1966 ainda pode ser visto em streaming, “Eight Days a Week“. Anos mais tarde, num pequeno descuido, Paul McCartney teve seu baixo Hofner roubado, justamente em Noting Hill, lugar demarcado de forma poética, pela cinematografia da inexistência.

É que um dia dirão, assim como dizem de Jesus, que os Beatles nunca existiram. De que importará no futuro, saber se existiram ou não? Para que servirão as provas, Santo Sudário ou Guitarra? É certo que o legado vive pela crença daqueles que seguirão. E nada será como já foi, nada se repetirá como antes, anacronismos, atávicos e ancestralidades, perdoem a heresia, segue o novo.

A grande maioria dos amantes da música já davam como certo a perda definitiva do instrumento. Mas um grupo de caçadores perdigueiros não desistiu. Cinquenta anos depois, o instrumento reencontra seu dono. Receberá reparos, cuidados nas cordas, na madeira desfolhada, voltará a ter vida, nesse belo formato de violino.
É curioso que o interesse e a oportunidade tenham me colocado frente a frente com o livro Guitar Bible, onde aprendi muito sobre a história das guitarras e seus artistas destacados. O livro magistral vinha acompanhado de um DVD, para alguns estudos práticos, que pouco usei, na época não tinha guitarra. O livro emprestado ao amigo e compositor Paulo Cezar Desi, e nunca mais voltou as minhas mãos, ficou como legado a música de Teresópolis, ainda está na lista dos que recomprarei em algum sebo, qualquer dia desses.

Bem antes do livro porém, minha primeira aventura nesse lugar eletrônico foi na compra de uma guitarra para meu irmão, que na época desejava muito aprender a tocar. Um garoto autodidata que aprendia tudo que lhe era ensinado, de entomologia a astrofísica, fazendo sua mãe sofrer enquanto aprendia. A guitarra veio de boa leva, havia sido do Celso Blues Boy, que era vizinho em Santa Tereza do irmão de alma, Paulo Maurício, outro gênio, que comprara a guitarra para a filha Bruninha que todo ano mudava de interesse, testando habilidades. Passou do surf pra guitarra, designer e hoje é fotógrafa da AFP. Foi Paulo que me vendeu a primeira guitarra que dei a seu xará, Maurício e dali em diante, foi só integrar um 3 em 1 Gradiente Polivox e ver o garoto voar, solando todos os clássicos. Me faz feliz até hoje ter sido instrumento facilitador dessa aventura bem sucedida.

Gosto das paradas que levam ao sucesso e a potência de cada um.
E foi por isso que em 2009 comprei o último lançamento do Wii Beatles Rock Band, numa viagem de Natal para Londres. Com a ajuda de dois amigos, conseguimos transportar tudo desmontado nas malas, incluindo ainda um skate acoplável, a bateria e, claro, uma réplica eletrônica para games dessa guitarra Hofner, que foi usada como tratamento com meu pai que teve Alzheimer.

Andou passeando por várias casas, teve seu valor oscilando entre  altos e baixos, pois tudo depende da vocação e do incentivo para uso dos envolvidos. Seu último paradeiro é Paraty, nas mãos de mais um jovem prodígio, o Theo, que até começou a usar, mas por falta de uma interface para as novas tv’s e a chegada de um novo game de última geração tornou a concorrência desleal. Pode ser que um dia ele descubra o valor dos Beatles, e até seja informado sobre a vinda do Paul McCartney ao show do Maracanã neste ano, sem a mística guitarra, mas transcendente com a ressurreição de John, assinando do túmulo seu último sucesso, Now and Then, ao lado dos amigos da banda de Liverpool.
Na sala de cinema, essa semana, a pedido de uma das crianças donas desse legado, no filme “Argylle o Superespião”, que recomendo, a surpresa: a trilha dispara na primeira música Dua Lipa na cena e Now and Then. Deve ser fruto do acaso esse caminho tortuoso que promove encontros, desencontros, prejuízos e perdições.

Se tiver sensibilidade, acredite, tudo é lucro.