A PALETA NACIONAL E SUAS BASES AMINADAS

É tão difícil se alterar a evolução de uma paleta de cores quanto o desenvolvimento de uma tabela periódica de química. As camadas de desenvolvimento desses dois exemplos que levaram séculos até chegar onde estamos é extraordinária, seus padrões foram padronizados e adotados universalmente, para uso e ensino nas escolas. No entanto, as cores e os átomos sempre estiveram presentes na natureza. A Ciência é um mero recorte da realidade, de altíssima precisão, limitadíssima para explicar a amplitude e a complexidade dos fatos que a cercam.

Por exemplo, no contexto da normatização dos átomos, é fato que a massa atômica do nitrogênio é 14. Todavia, as formas puras sonhadas pelos gregos esqueceram de incluir os isótopos radioativos do nitrogênio, cuja massa atômica é 15. Nenhuma forma viva, no campo da matéria, segue regras absolutas, sem desvios. Nesse sentido, a perfeição é muito mais um objetivo dos obcecados por ela do que uma regra de comportamento de fenômenos no campo da matéria. A própria existência de vários elementos constitutivos da matéria é uma prova dessa benéfica precariedade.

Sem as diferenças nada aconteceria. As cores seguem o mesmo caminho. Do simples ao complexo, chegamos as salas de cinema XD com suas 35 trilhões de cores, tantas que são, que mesmo tendo ido dezenas de vezes ao cinema, mal posso compreender o que significam na prática. É como conseguir mensurar cognitivamente o número de estrelas de uma galáxia.

No microcosmo, cada ser humano é uma galáxia. Tal qual o universo, que é constituído de átomos limitados a certos tipos, o ponto de partida são as bases aminadas, de número limitado a quatro: Amina, Guanina, Citosina, Timina. Todas escritas no gênero feminino, representam a vida. Não há organismo sem elas. Qualquer forma de vida é uma genial combinação infinita desses quatro elementos, num código chamado DNA. Eu disse, combinação infinita, pois em tese não há limites para as combinações. É dessa genética que surgem características como ciclo circadiano, que abordamos anteriormente em “O Neardental Que Mora em Mim“, a regular nosso sono e tempo de atividade.

Voltemos as cores. Aquelas que enxergamos dependem de uma série de relações entre frequências emitidas pelas superfícies e substâncias existentes em nosso olho, até alcançar nossa mente e sua decodificação, utilizando um paleta de cores, a princípio igual para todos. Não exatamente. Nossos filtros operam sobre elas. Os preconceitos também. A cor da pele, do cabelo, dos olhos, em especial, são mais que suficientes para traçarmos uma base sobre como nos vemos e a sociedade.

Nos compêndios de botânica e zoologia, as classificações ainda em vigência que definem gêneros e espécies obedecem taxonomias. Nas plantas em geral, a flor é quem dá o caminho para sistematizar a qual gênero e espécie se dará o nome científico do vegetal em questão. Até recentemente, uma longa lista de perguntas, ao final dá a resposta científica quanto a que planta é aquela. Quero dizer, dava.

Com o advento do mapeamento genético de todas as espécies até aqui conhecidas, se tornou necessário reorganizar as gavetas onde Gêneros, Classes, Filos encontravam-se organizados. Esse processo não ocorrerá da noite para o dia. Está em curso, e vai naturalmente chegando ao Homo Sapiens. Com os ingredientes adicionais de uma pretensa superioridade de avaliação de si, que o coloca num patamar acima das demais espécies, uma falha grave de caráter, mais evidenciada nesse destrutivo período Antropoceno. Centrar qualquer conversa sobre a vida apenas no homem é ridículo. Somos parte de um conjunto.

Temos um Instituto de Pesquisa cuja missão inscrita no próprio nome envolve duas áreas do conhecimento, a Geografia e a Estatística. Nosso país nunca foi exemplo em matéria de números aplicados a sociedade. Não faltam casos de maquiagens, descuidos, imprecisões conceituais, atraso de metodologias, má vontade e falta de transparência, ocultada pela destruição de séries temporais por desvios de toda sorte. O aparelhamento de equipes técnicas por elementos despreparados nomeados por critério político, retira completamente a confiabilidade de qualquer atividade científica minimamente séria.

Assistindo as declarações do atual Presidente do IBGE, sobre os dados de distribuição racial no país, fiquei apavorado. É fato que as decisões políticas tomadas sem qualquer parâmetro, ainda que bem intencionadas, mas na verdade populistas, perdem a oportunidade de atualizar a forma de enfrentamento de problemas seculares. Um país continental miscigenado há que considerar as regionalidades e suas heterogeneidades. Até a Beyoncé sabe disso, e não por acaso foi direto pra Bahia. Questão de base racial. Não arriscaria o mesmo na direção de estados mais ao sul do Brasil.

A auto-declaração de raça e cor de pele é um método que a luz dos avanços científicos existentes, está atrasado em pelo menos 50 anos. Seria muito mais legítimo enfrentar os problemas pelo uso de critérios de desenvolvimento econômico e social, dadas as peculiaridades e misturas que temos por aqui, quadro radicalmente diferente do que se apresenta no país que nos coloniza cultural e cientificamente, no caso os EUA.

Cada vez mais, se torna necessário para fins de saúde pública, que os genomas populacionais sejam conhecidos, que os Big Data sejam consolidados, para que uma nova era censitária se apresente mais útil a aplicação de recursos públicos. A ver, na real, ninguém acredita nas estatísticas apresentadas por uma Instituição que admite, que alguém de olho azul, cabelo loiro e pele de cor branca Omo Total se auto-denomine pardo ou preto. Uma insanidade dessa, associado a um discurso completamente contaminado, em nada colabora em localizar os verdadeiramente vulneráveis de nossa sociedade, por região envolvida.

Discursos genéricos como estes, só colaboram para aliciamento de votos em campanhas majoritárias para presidência. Precisamos de metodologias que nos levem aos átomos, as verdadeiras genealogias, ao entendimento de doenças, entre tantas outras coisas, que complementem o que já sabemos pela via da superficialidade intuitiva.

A Colômbia, por exemplo, já em 2015 possuía um projeto científico para essa finalidade. Invejável vanguarda dessas que por aqui andam chamando de Neo-industrialização da Biotecnologia. Podemos fazer muito mais e melhor, com informação qualificada, superando as incursões ideológicas e dando mais independência a Ciência, naquilo que ela se presta a fazer. Enquanto isso não acontecer, o conceito de raça vai continuar sendo apenas letra do Hino do Flamengo, a ser discutida em mesa de bar, como piada.

Genomas já!