AS OGIVAS DE PUTINHO E O FUTURISMO DE DUNAS

A imagem acima me fez lembrar da capa do disco do Tom Zé, na capa do seu disco Todos os Olhos, gerando polêmica e dúvida sobre se era um olho do cu ou uma bola de gude. O monstro das entranhas das areias repletas da substância mais poderosa e alucinógena das galáxias, tem uma boca que trouxe essa lembrança. Dunas é uma experiência psicodélica, semiótica de extrema visualidade.

O conflito nuclear e o fim de nossa civilização como destino da humanidade era uma ameaça até o início da década de 70. O que nos salvou da destruição completa da Guerra Fria e permitiu que os acordos de controle e redução de armas nucleares prosperassem foi o jogo de baralho. Acabo de sair de uma casa onde se joga buraco fechado, modalidade escolhida por quem joga pra valer. Foram os estudiosos de poker que desenvolveram a Teoria dos Jogos, utilizada para as negociações daquela ocasião. Um dos privilégios da minha vida foi assistir uma palestra do Ganhador do Nobel de Economia responsável pela salvação do mundo, justo numa época em que foliões do apocalipse vivem e rezam para que ele chegue ao fim e possam ir morar no Paraíso. São os fanáticos, sempre eles, bombas vivas em busca da morte.

Paraíso. É assim que termina a parte II do filme Dunas adaptado por Denis Villeneuve. Uma Odisséia extraída de uma coletânea de livros, que quase comprei no stand da Editora Aleph, na Bienal do Livro de 2023, belíssima edição limitada. Escrito por Frank Herbert cuja frase “Não acredite em líderes que estão sempre certos”, atira na cabeça dos atuais.

Faltaria-me fôlego para a leitura, preferi esperar pela liberação do filme e deixar as naturais reclamações de quem lê para depois, uma vez que a parte I havia atendido as expectativas bem acima do esperado. A história é um tratado shakespeariano, com todos os requintes desse que foi o maior criativo sobre dramas humanos de natureza familiar. Aplicar sua dinâmica na leitura dos acontecimentos do mundo exige um grau de cultura acima da média. A obra literária tem o poder de emprestar essa força aos cineastas mais competentes. Foi o caso aqui do canadense Villeneuve com sua iMAX em plena pandemia.

Assistir ao filme é como estar assistindo aos noticiários dos jornais do mundo em que vivemos. Conflitos por todos os lados, disputas de poder envolvendo gerações e gerações e seus sucessores, ameaças e violências da pior espécie e aquela certeza de que o amor não combina com a imposição pela força que deve ser exercida por quem almeja ardentemente o poder. É sobre isso que os telejornais e o filme tratam nesse final de semana.

Criar mitologias, inventar personagens com o poder de destruir o inimigo e dominar o mundo pela causa que criam, produz seguidores, seja no futebol ou nas nações e empresas por onde vivemos. Onde foi parar o modelo ganha-ganha dos amigos do baralho? Os grupos sociais atuais, se desenvolvem em sua maioria em torno de seitas e crenças onde as paixões de vida e morte se confundem. O resultado é a morte de inocentes, que estão na roda, acabam pagando o pato. Há também os necessários buchas dos canhões explodindo gente e pólvora.

Escrevi pólvora, mas depois de Oppenheimer, devo passar a escrever em seu lugar Ogiva Atômica, que significa um objeto de forma cilíndrica, com lados iguais e com um vértice na forma superior. Uma bomba, bala de canhão ou revólver tem esse formato, daí o uso equivalente da palavra. Quando criança, ao apontarmos para um amigo sacana – desses que adorava peidar bem fedido – dizíamos que ele soltava bombas, ogivas. É bem isso que estamos assistindo acontecer na atualidade.

Um bando de peidões no poder. Essa é a cena que se multiplica, todos ameaçando não poupar as vítimas de suas podridões mentais, e do cheiro fétido e sulfídrico que emana de suas entranhas, fazendo multidões sofrerem. Tem sido assim. A questão é, portanto, como neutralizar essa epidemia anal das lideranças que se impõe na ordem planetária. Não cansamos de ver, vez por outra um ditador como o da Coréia do Norte, ameaçando usar a bomba atômica como forma de solução para conflitos.

Era de se imaginar que ao enfrentar a sua fraqueza no espelho, em outros quesitos, o super-man Putinho, que acaba de superar Stalin no poder, eliminando a oposição a sua visão retrógrada kgbista, se apoiando inclusive  no obscurantismo de lideranças da Igreja Ortodoxa da Rússia, tenha se tornado o homem mais peidorreiro do mundo. Ao declarar que não abriria mão do uso de suas ogivas, como forma de dissuasão em caso de conflito, o Putinho ganhou essa condição de Prima-dona do Apocalipse. Assim se elege Ad aeternum. O neoczarismo é basicamente isso.

É nesse capítulo que Dunas e a História Humana se encontram, um épico antigo que roda em círculos, pelas mãos do súbito retorno de uma cena da tragédia em que já estivemos, renascida das cinzas, aparentemente superadas, só que não. Ela volta a ser incensada pelos esses seres, donos de ressentimentos não tratados, com feridas abertas, em busca apenas de vingança e músicas no estilo Old Times da Rádio 98 FM. Ver o mundo rodar usando essa ótica tornaria nosso futuro inviável, e o presente prestes a acabar. A doença se espalha, o visível interesse em promover peidões é inexplicável mas existe. Um deles passou ontem bem ao lado da minha casa, se dizendo vítima e perseguido pelos inimigos políticos. Tudo invencionice barata e safada. Não dedico meu tempo a saber como se tornaram isso. Faço aqui como Galileu, não me interesso pela origem das coisas, mas pela medição de seus efeitos, pois só assim poderei atuar sobre eles.

Os 26 anos de poder almejados, são um incentivo a destruição das democracias no mundo e ao retrocesso a formas passadas nada participativas de poder. E as Guerras Santas, o Nacional Socialismo (Nazismo), fazem parte dos capítulos mais hediondos da história. Chegamos nesse lugar, de onde nunca saímos, as ogivas e os peidões estavam apenas guardados em uma caverna. Nem o deserto ou Jesus nos salvarão.