BACTÉRIAS BRASILEIRAS DE UM BILHÃO DE DÓLARES AO ANO

Ao acordar hoje, já pela metade da manhã, recebi notícias de amigos que sonharam por anos ir morar numa cidade do interior de São Paulo. As imagens ativaram neurônios de um passado já distante. Piracicaba é um Polo de Desenvolvimento do país.

XV DE PIRACICABA fez parte da minha história de vida. Tive um professor de Genética Quantitativa na Universidade que fez seu Doutorado na Universidade de lá. O Maurício era um gênio da matemática aplicada. Se tornou um grande amigo, admirava a forma como escolheu viver. Diferentemente de meus hábitos, que lia 4 jornais por dia, ele não os lia, considerava repetitivos.

Seu mentor, o professor Lamartine, não tinha piedade na hora de aplicar a prova e corrigi-la com rigor. Fiquei sabendo que as turmas seguintes tinham reprovados em quantidade, sem dó nem piedade. Já naquela época, minhas mãos tremiam ao fazer as provas e dificultavam escrever com letra legível as respostas discursivas. Prova é um momento de tensão, para o qual é preciso toda uma preparação emocional.

Mais tarde, meu 1o emprego como Consultor Nacional da EMBRAPA. Foi pouco antes de ter ido a Alagoas para procurar bactérias que adubassem naturalmente a cana-de-açúcar. As amostras para medição das taxas de Fixação Biológica de Nitrogênio eram enviadas justamente para a ESALQ, Escola Superior Luís de Queiroz, aí em Piracicaba. O uso das técnicas de medição de isótopos radioativos, só era possível no equipamento da ESALQ, um espectofotômetro de massa.

Foi graças a esse meu trabalho, publicado na Alemanha em 1988, que conseguimos provar cientificamente a fixação biológica de nitrogênio em gramíneas, após eu ter isolado a nova espécie de bactéria, inicialmente chamada de Sacharobacter nitrocaptans. Nome estranho né? Escolhi após pesquisa de 72 horas em dicionários de latim, emprestados pela Doutora e Chefe do Centro de Pesquisa, Johanna Dobereiner, que dedicou toda sua vida a essa linha de pesquisa.

O Cavalcante que vos fala é o mesmo da citação abaixo, primeiro autor do trabalho que na década de 80 reimpulsionou as pesquisas no campo da fixação biológica em gramíneas, que passava por uma crise de ceticismo entre os pares dessa área de pesquisa. O mantra da turma das bem sucedidas em leguminosas era que “gramínea não fixava nitrogênio”. Quebramos esse paradigma, enxergar o invisível é para poucos.

Segue a citação: “A bactéria endofítica G. diazotrophicus foi descrita por Cavalcante e Döbereiner em 1988, inicialmente nomeada como Sacharobacter nitrocaptans e, em seguida, como Acetobacter diazotrophicus (GILLIS e KERSTERS, 1989). Posteriormente, esta bactéria foi reclassificada como um membro pertencente ao gênero Gluconacetobacter, sendo, então, nomeada como G. diazotrophicus (YAMADA et al., 1997; YAMADA et al., 1998).
A G. diazotrophicus é uma bactéria gram-negativa móvel, contendo flagelos laterais, pertencente ao filo Proteobacteria, a classe α-Proteobacteria, ordem Rhodopirillales e à família Acetobacteraceae e fixa nitrogênio em condições microaerofílicas (KERSTERS et al., 2006). É portanto uma bactéria promotora do crescimento vegetal diazotrófica, e também endofítica por
ser encontrada colonizando os tecidos internos de plantas, como cana-de-açúcar, onde foi isolada pela primeira vez (CAVALCANTE e DÖBEREINER 1988).

Traduzindo para o português barato, essa bactéria nomeada de modo inaugural por mim, sob os auspícios da Dra. Johanna, ganhou seu primeiro nome em 1988, foi renomeada em 1989 e deslocada para o gênero Acetobacter em 1989, e reclassificada para o já existente gênero Gluconobacter. Sem querer puxar a brasa para a minha sardinha, da Johanna e do Centro Nacional de Microbiologia dos Solos da EMBRAPA, acho que a mudança do nome é uma apropriação indébita do mérito científico, desnecessária. Quero deixar claro que essa controvérsia envolve questões relacionadas a meios técnicos, competência e um abismo metodológico no campo da taxonomia e sistemática. Enquanto nós, aqui no Brasil usávamos testes de natureza tradicional – tipo de alimento da bactéria, teste de gram, sensibilidades a antibióticos, entre outros – já estava em pleno desenvolvimento lá fora o sequenciamento por DNA para fazer taxonomia.

Seria uma tragédia para a humanidade se toda a tabela de classificação produzida pelos pioneiros como Lineu fosse renomeada, como acontece com nomes de ruas em lugares onde a cobiça e vaidade oportunista de políticos ultrapassa o valor histórico dos lugares com seus nomes.

Em que pese o fato de que pela ética científica os nomes e primeiras publicações devam ser citados, acaba se constituindo como uma forma de trapaça, sobrepor ao dos pioneiros o daqueles que apenas usaram em laboratório uma outra técnica para dar o novo nome e de fato nada descobriram.

São farsantes oportunistas, disfarçados de cientistas, pela ganância, vaidade e poder das nações mais desenvolvidas em relação as colonizadas. Nesse mesmo campo e relacionado a isso, se deu a mudança do nome do projeto brasileiro pioneiro, do qual participei, da Planalsucar, o tal do PROÁLCOOL, que pelas mãos estrangeiras foi renomeado de ETANOL.

Graças a esses trabalhos o Brasil economiza 1,5 bilhões de dólares por ano na produção de soja e outros vegetais correlatos. Não por acaso, a 1a indicação do Brasil para Nobel na área de Ciências foi para nossa atividade. Sem citar nomes, deixamos as indicações para Prêmios de Nobel da Paz para os genocidas. Nosso lance sempre foi a Sociedade Alternativa.

Piracicaba faz parte dessa história, contribuiu pra esse milagre acontecer, pelas mãos de humanos, que por serem filhos de Deus, carregam coisas divinas dentro de si. É necessário descobri-las. Ver um bando de bundões, cujas falas mais se parecem com os zurros dos asnos.