BODAS DE PRATA -1, DO GRANDE IRMÃO DO ROUND 6

Big Brother, O Grande Irmão. Na linguagem de rua, brother é o amigo. Nas Redes Sociais, amigo do Orkut virou seguidor. Essa rede social foi pras cucuias, mas o Google se tornou seu “Grande Irmão”, no sentido do acompanhamento de todos os seus passos, onde quer que você vá, nem precisa estar em confinamento, como na pandemia ou nos 100 dias na Casa Mais Falada do Brasil. Afinal, num país com mais de 230 milhões de celulares, ter o recorde de 230 milhões de votos na 24ª edição é um fato a se pensar. Uma rotina de 24 horas por dia, para quem participa, disponível para quem vê é de fato de enlouquecer. Pode até ser que não aconteça ao longo dos 100 dias, mas certamente deforma um país inteiro, em 24+1 anos de existência, uma verdadeira Bodas de Prata que celebro por antecipação.

Senão vejamos.

No BBB de número 1, fazia parte da época o atrativo de fuder por embaixo do edredom. A expressão se tornou lugar comum, aquilo que você não via, imaginava do Oiapoque ao Chuí. O vencedor, Babam se notabilizou com um bordão, e chegou esse ano desafiando Popó, campeão mundial aposentado desde 2017, para ganhar muito dinheiro e ser vergonhosamente nocauteado. Ano após ano – pelas mãos da dona do formato, a ENDEMOL –  o reality foi ganhando versões que mais se pareciam com um trecho daquela música do Raul Seixas, uma metamorfose ambulante.

Logo após inaugurar bombadões com edredom, embarcou com Caubói num Brasil profundo, essencialmente sertanejo, de chapéu de vaquejada e sotaque ao estilo Barretos. Colhe os frutos das festas de interior, transmitindo os shows em sua grade, a maior identificadora de tendências do país. Demora mas não falta. Na 3ª edição revelou a estrela Sabrina Sato, notabilizada pelo Pânico mas que é a maior performática do mundo da moda, incluindo programa na Globo e presença nas pistas do samba. Um talento unânime agregado de simpatia. Perdeu mas ganhou.

Coube a 5ª edição, comprovar a utilidade política do programa em função de posicionamentos de minorias e uma enorme audiência para majoritárias, que dali em diante se capilarizaram. Foi Jean Wyllys, ao lado de Grazi Massafera que formaram a dupla paz e amor ao final, levando a moça ao estrelato como atriz e Jean ao Congresso Nacional. Quem pretende se candidatar deve urgentemente aprender com os realities dinâmicas ágeis que a casa oferece. De fato, tudo muda o tempo todo agora.

As mudanças não seguiram juízo de valor, apenas uma experiência sobre comportamento humano, projetada para alimentar projetos mais ambiciosos dos donos do mundo. Assistir reações em tempo real e medir as reações de uma parte significativa da opinião pública de um país inteiro tem um valor econômico ainda não avaliado. Já lá pelo ano de 2006 uma das coisas que mais ouvia eram pedidos para preenchimento dos formulários online para inscrição no BBB. O sonho de se tornar da noite para o dia uma celebridade está presente na maior parte dos jovens, uma vez que os mesmos encontram-se encurralados, sem acesso a empregos com salários dignos, que preservem nos de melhor imagem, aquilo que preservaram pelos bons cuidados na adolescência. O maior valor da imagem é retratado pela ausência de uma parcela de desdentados da nossa população, inclusos aí os remanescentes Yanomami. Certo que estão no DNA da representante de Manaus, que conquistou o 3º lugar na competição desse ano. Apenas mais um belo exemplo da falta de representatividade do reality. Ou será que paira alguma dúvida quanto ao vencedor Diego Alemão do BBB 7 e a disparidade entre ele e a realidade social brasileira?

Uma das disputas que acompanhei por dentro foi a do então artista plástico Max e Priscila. O dono dos bonecos de qualidade Hollywood suou para ganhar da queridinha de Bial, que escreveu seu texto consagrador na Revista Playboy. Era impossível trocar a preferência por uma gostosona a favor de um artista apoiado por uma turma de Guerrilha Cultural, com poder de fogo nas redes sociais. A vitória foi nos pentelhésimos. É certo que o trabalho de edição já manipulava bastante o fluxo das narrativas.

Me permito aqui um salto quântico, quem quiser mais que compre a consultoria, e chego ao BBB 20, com Thelma enfrentando a Rafa Kalimann, numa daquelas finais de triunvirato feminino. Um ensaio preparatório para criar um sucesso de laboratório com uma mulher quase perfeita, a Juliette. Coube a ela vencer o maior talento do BBB 21, o Gil do Vigor, garoto propaganda de Deus e o mundo. A saúde física e mental são ainda difíceis de se controlar, as empresas fazem de conta que tá tudo bem…

Embora tenhamos a Constituição cuidando da transparência dos dados públicos, graças a lei LAI e a garantia de privacidade prevista desde 2018 pela LGPD, todos os dados coletados ao longo do processo desenvolvido nesses 24 anos não passam nem por perto de um questionamento legal, uma investigação sobre a forma de uso, uma auditoria internacional mais séria. Não dispomos de instrumentos mínimos de soberania, ou de freios ao processo de uso dos dados para interferir nas opiniões via Redes Sociais. É uma zona. O Big Data, o Data Science e a IA passam ao largo dos olhos das autoridades. Não entendem do que não sabem, não cogitam o que desconhecem. Não assistem BBB.

As “quase” Bodas de Prata do BBB trouxeram um choque de realidade. Estamos atravessando um momento dominado pela lógica do tiro, porrada e bomba. Não houve fairplay, as regras garantiram a guarda baixa, me lembrando Jogos Vorazes e Round 6, que se tornou a série mais vista da história da NETFLIX. Creio que transformar o país numa espécie de lugar do vale tudo não é novidade. Já ocupamos esse lugar. Agora é assistir, brother.