CARNAVAL, FUTEBOL E A IDENTIDADE BRASILEIRA

Os preparativos para o Reveillon não param. Mas o que fazer no intervalo além de trocar os presentes defeituosos de Natal? Em outros lugares não sei. Mas no Rio de Janeiro, é fácil. A Cidade que detém a senioridade no quesito poder, pois foi por quase 200 anos a capital do Brasil, sabe que o conceito de nação exige uma identidade local forte. Diferentemente do que imaginam os grupos religiosos colonizados ou aqueles que aderem a geopolítica clássica que não discorrerei aqui, vejo a identidade do país nascida a partir da dupla samba e futebol. E aí, não tem jeito, o Centro de origem desse binômio – expressão muito utilizada em genética para indicar o berço das coisas – é o Rio, mais especificamente a periferia desse território.

Hoje foi dia de cavar nesse patrimônio imaterial de memórias, e olhar para o que restou, um verdadeiro chão de estrelas. Como dizem os astrônomos, a luz das estrelas que vemos hoje chegou até nós milhares de anos depois de serem geradas no corpo celeste em questão. E foi assim que acendeu-se em minha memória, o dia em que meu avô me levou aos seis anos de idade ao que hoje chamamos de Ponto Chic, para ver um desfile de rua da Mocidade Independente. Me colocou nas suas costas, para que eu pudesse assistir. O Raimundinho era um amor, e me presenteou com a escolha da Estrela de Luz de Padre Miguel, cuja letra do samba confirma:

“Padre Miguel é a capitalDa escola de sambaQue bate melhor no carnaval” 

Nesse final de ano, foi a vez de assistir ao último ensaio de rua da Mocidade, numa experiência completamente registrada em quase uma hora de LIVE. Apesar de não ser um frequentador assíduo da quadra, encontrei amigos de longa data, fazendo até um rápido registro para o Canal Sapucaí, sobre o preço da castanha de caju nesse Natal, já que essa fruta é o tema do samba enredo da agremiação.

Num dos trechos da letra do samba, a frase “A Mocidade é a cara do Brasil”, me proporcionou uma reflexão de múltiplos sentidos e autores, que como Cazuza, pediram pro país mostrar a sua cara, identidade afirmativa. Uma nação multifacetada não se define facilmente, mas se há um lugar para sentirmos essa pulsação, é no meio do povo. E lá estavam eles, bem melhor acomodados do que no Setor 1 do Sambódromo, nas escadarias da Estação Guilherme da Silveira.

Do outro lado da Cidade, Zona Norte, brilhavam outras estrelas. Era dia de Zico e seus convidados fazerem do Maracanã uma espécie de reserva moral, encontro de craques de todas as idades, as verdadeiras autoridades do futebol, numa confraternização inigualável, que pode ser no máximo, copiada por outros em outras partes do mundo.

O que acontece a 19 anos pelas habilidosas mãos do Galinho de Quintino é apenas mais uma prova de que temos os termos de referência para estruturar uma identidade nacional a partir de nossos próprios valores, o que inclui o futebol. A fórmula com artistas, que atraem principalmente o público feminino em rodada dupla, horário familiar e no final de semana, foi maculada esse ano por conta do Ano Novo no domingo. Mas os 50 mil presentes dão uma ideia da importância dessa iniciativa, que agora já conta até com transmissão ao vivo pela Sport TV, que nas férias do futebol, pouco tem a oferecer para esse público, que não tem interesse em ver as finais da NBA.

Queiram ou não, o carnaval e o futebol são as duas marcas identitárias mais importantes do Brasil, no exterior. Suas raízes inequívocas estão na cena cultural carioca, e o nascedouro simultâneo das duas, mais especificamente em Bangu e Padre Miguel. Pra entender o Brasil, tem que ler Meu Pé de Laranja Lima, cantar Meu Limão Meu Limoeiro, saber quem foi Seu Danau e Mestre André, acessar a antropofagia da letra em “Meu Caju, Meu Cajueiro…”, e rezar para muito além de um Pai Nosso, reverenciando seus mortos, tal como foi feito no templo do futebol, em homenagem a Roberto Dinamite e Pelé.

Então irmão, chupa essa manga!