CLUBISTAS, FUTEBOLISTAS E O ESPETÁCULO

Você certamente ainda não deve ter pensado sobre a diferença entre um clubista e um futebolista. Não se precipite nas conclusões…
Além de já ser velho o suficiente, para não ter que alimentar o desejo profano, pela compreensão dos mais novos, consegui quando criança, conviver com pessoas bem mais velhas do que eu. Guardo a sete chaves, no fundo do coração, essa vantagem.

Os valores desses antigos, certos ou errados, que não podem ser esquecidos, as frases e vivências absorvidas num contato direto são intransferíveis, devem ser preservados numa nova bíblia, alcorão, gita, que chamarei aqui de Livro da Humanidade. O lugar onde as vidas são registradas, para posteridade, e dessa forma se promova o que hoje é exclusividade de apenas algumas religiões. Precisamos de livros atualizados.

Já não ouço aqui o arranhado da gravação do Nirvana, já que a companhia é a edição “Super De Luxe” de In Utero, em sua faixa Radio Friendly Unit Shifter, de um show ao vivo em Los Angeles. E o Spotify ainda não reproduz vinil, tampouco os computadores alcançam a pegada analógica dos equipamentos antigos. Distorções ausentes, tenho a sorte de imagina-las com base nas que ouvi. É assim que venho fazendo com o futebol e sua relação com o entorno, com multidões com que trocamos impressões.

Foi sentado ao lado dos torcedores bem mais velhos que eu, das mais variadas torcidas, que aprendi sobre porque eles sempre preferiam estar lá. Indo direto ao ponto, o prazer proporcionado pelo espetáculo, o aspecto futebolístico, a presença do gênio, do craque, desse que desapareceu das praças locais brasileiras. Os torcedores que viram o lugar onde o Maracanã foi construído, já estavam conectados aos jogos, que antes eram das corridas de cavalos.

Foi ideia do flamenguista Mário Filho – daí o nome do Estádio ser o seu –  irmão do gênio tricolor Nelson Rodrigues, a quem lia no Jornal dos Sports – de distintiva coloração rosa – que nasceu a insistência para a construção do estádio, num terreno onde já existia o Derby Club. Os que se derem ao trabalho de pesquisar, vão achar estranho que um Centro Veterinário do Exército tenha dado origem ao Museu do Índio – justo aquele que no Governo Sérgio Cabral tentaram demolir – porque aqui é assim, patrimônio histórico e meio-ambiente, o negócio é passar o trator.

Naquela época, torcedores saíam de suas casas para ir ao Maracanã todo domingo, chovesse ou fizesse sol, assistir craques jogarem. Era essa a motivação principal de seu lazer de final de semana. Levar pra casa a certeza de ter visto um espetáculo. Chamo a esses de futebolistas. Minha definição de futebolista: todo aquele que aprecia no esporte a beleza, a performance, a genialidade a ser praticada por alguma equipe ou atleta.

É claro também que o clubismo está na base. Toda história de desenvolvimento social, do esporte do lazer, da educação e do entretenimento, passa pelos Clubes criados em cada bairro, com a intenção de atender os sócios, normalmente moradores mais próximos. A degradação dessa relação, com a transformação do futebol num esporte de massa, e toda a violência decorrente, pelos excessos em curso, sob o pretexto de amor pelo clube, indicam a necessidade de correção de rumo com tolerância zero a essa distorção, que retira as famílias desses lugares.

Não existe portanto uma forma pura de torcedor, seja 100% clubista ou 100% futebolista, mas uma mistura de um pouco de cada coisa, numa proporção que varia, com a idade, com a situação do clube e com a cultura de época. Repito, creio que devemos rever a história para reaprender lições deixadas para trás, e que fazem parte da nossa escola de futebol. Um futebol criativo, de dribles, de objetividade e ímpeto na hora certa. Sem o futebol arte, deixamos de ser uma potência no mundo do futebol.

Dito isto, abro um parênteses. Suárez é o maior matador de sua época. Independentemente do time pelo qual você torce, quando tiver um jogador desses jogando, corra e compre o ingresso. Ser clubista, torcedor, nos termos do que assistimos hoje, é uma ameaça ao futebol arte, aquilo que o Brasil ensinou até o Tri de 1970, e ainda foi assimilado por quem veio um pouco depois, pra virar o que temos hoje, essa obrigação de cultuar estrangeiros, por falta de locais atuando diante de nossos olhos, e que só podem ser vistos pela TV, jogando na Europa.

A história de Suárez é marcante, passa por quase dez anos de futebol pelo Brasil, pois foi a partir de sua performance e nefasta mordida em na Copa do Mundo de 2014 que seguiu para formar um dos trios mais letais da história do futebol moderno, no Barcelona de Messi e Neymar, o que já faria merecer um livro. As últimas páginas em solo gaúcho soam até inacreditáveis para os mais apaixonados. O Grêmio conseguiu trazer aprendizado senior para suas fileiras.
Por essas razões e pelo bem do futebol, faremos.