DE POTÊNCIA NO FUTEBOL ATÉ VIRAR FUNDO DE QUINTAL

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Era uma vez um país. Sem tradição além da cópia de modismos. Normalmente das capitais do mundo. Um belo dia, em plena ditadura militar (na verdade dentro dela), esse país se uniu em tons patrióticos como nunca havia feito. Surgiram os heróis da década de 1970 e fomos tricampeões do mundo de futebol. A música não deixava qualquer dúvida quanto as razões para nossa “unidade nacional”: “Noventa milhões em ação, prá frente Brasil, salve a seleção”.
Hoje somos cento e noventa milhões, mas nem o futebol nos une mais, como antigamente. Naquele tempo, vi papai sentar-se numa máquina de costura e depois de comprar um tecido de alta qualidade fazer uma linda bandeira do Brasil. Seu cuidado era tal, que a posição das estrelas era medida com o maior cuidado. Assim que a bandeira ficou pronta e o Brasil ganhou o TRI, saímos de carro pelas ruas numa vibração só. Aquele era o estado cívico do país, canalizado para um esporte.
Hoje temos cento e noventa milhões de brasileiros, já bem mais divididos. Uns torcem para o volei masculino. Outros para o futebol feminino. Há torcedores para automobilismo, tênis, natação, ginástica olímpica, salto com vara e até remo ou lutas da UFC. A realidade se fragmentou e os interesses também. Foi nesse contexto que entrei num Shopping já com meio caminho andado da partida entre Brasil e Alemanha. Assim que me sentei, percebi uma jovem de aproximadamente uns 17 anos vestida de noiva. Era uma imagem tão inusitada que não resisti e perguntei a ela, que naquele momento estava sozinha: “onde está o noivo?”. Ela sorriu e me disse que não havia noivo. Estava lanchando com a família. Logo depois a Alemanha fez o primeiro gol e ela vibrou freneticamente. Torcia pela Alemanha fervorosamente.
O jogo continuou, e antes que fosse embora, a Alemanha fez mais um gol. Dessa vez ela saiu pulando pelo shopping e dizia que sabia que a Alemanha faria 3 gols naquela tarde contra o Brasil!!! Foi então que comparei o espírito de torcida a favor do país e das cores da nossa bandeira em 1970, plena ditadura militar, com aquela situação. Poucas semanas antes mesmo desse episódio, estava no Clube Comary com centenas de outros brasileiros assistindo o Brasil encarar o Paraguay em plena Copa América.
A seleção brasileira martelou o tempo inteiro em cima de uma defesa que foi a melhor da competição. Adversário nitidamente mais fraco. E a cada tentativa frustrada da seleção brasileira, um grupo enorme de crianças entre 6 e 13 anos de idade vibrava e torcia “pelo mais fraco”. Os pais destas crianças, que provavelmente eram crianças na Copa de 70, ficavam incomodados com a atitude de seus filhos. O ápice dessa situação se deu quando o Brasil errou TODAS AS COBRANÇAS DE PENALTI. Esses jovens pulavam e gritavam,  como eu nunca tinha visto na vida. Era uma alegria sincera irradiada em seus rostos. Os pais bem queriam “torcer seus pescocinhos”, mas nada havia a fazer.
Seus filhos já faziam parte de uma geração de vira-casacas. Me perguntava sobre o que havia acontecido com a noção de cidadania e sua direta relação com a questão da IDENTIDADE DO BRASIL. E aproveito esse dia da Independência para discorrer sobre as razões que nos conduzem fortemente para uma diluição dos valores de associação em torno do conceito de nação e consequentemente de cidadania. Creio que vivemos uma crise profunda no reconhecimento dessa identidade, claramente explicitada na paixão nacional pelo futebol, que já não é mais unanimidade.
Na última Copa do mundo, vimos crescer o número de brasileiros comprando camisas e usando a de nossos maiores adversários locais, entre outros: a Argentina! O jovem brasileiro de hoje, torce para o Messi! E aqui cabem duas interpretações. A primeira, de que indiscutivelmente o Messi é o maior craque em atividade no mundo, embora não tenha resultados significativos nas Copas por conta de ser um argentino já produto da globalização. Sim, Messi se desenvolveu como um produto do futebol globalizado, na Espanha.
A segunda interpretação é mais grave: O Brasil virou se transformou numa grife da NIKE. O Brasil foi PRIVATIZADO em sua IDENTIDADE. E dentro desse espírito de privatizações da nossa imagem como nação, estamos paulatinamente desaparecendo como nação, nacionalidade e espírito de pátria. Não temos mais o amor a camisa do Brasil, nem dos dirigentes, nem dos jogadores, nem da torcida. A energia que circula entre eles prioriza a imagem do patrocinador e sua inserção nesse contexto se dá sob forma de um bom PRODUTO.
A privatização da nossa identidade traz a tona uma questão de fundo. Não há como uma sociedade exercer a sua cidadania, sem que essa mesma sociedade se reconheça de um espaço comum. E a globalização vem arrastando e erodindo o pouco ou quase nada que resta de identidade nos lugares por onde passa. Assistimos então pela TV, MAIS DO MESMO. E essa situação aqui exemplificada com o uso do esporte, se repete na questão política. A identidade do país, num ano em que tantos fatos históricos acontecem, que deveriam ser motivo de orgulho para a população brasileira, passam desapercebidos. Nesse dia 7 de setembro, acho que vou vestir a camisa da Argentina…

(escrito em 8 de agosto de 2011, sob o título “Independência para Dependentes”

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