DE TREM, DE BONDE OU DE TRIBUNA?

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Foi no jogo decisivo para os dois, onde apenas um decidiu seu destino. O do outro, para muitos amigos, já traçado, vencido nas bancas de aposta. Mas o que eu fazia ali, após um palpite de sobrevida e uma certeza de ascensão digna, fosse em qual fosse a divisão? Não sei. Mas o destino me proporcionou a experiência mágica, que nenhum irmão vascaíno teve nesse dia, que entrou para a história do futebol brasileiro. O Corinthians se tornou campeão! E aqui, tenho que comemorar, por pelo menos quatro razões.
A primeira é bem antiga. E foi uma paulista, daquelas de dar água na boca. Gosto do sotaque feminino de São Paulo. Ela me cativou por esse lado, e seu filho, um adolescente Corinthiano, tinha loucura para ir a assistir uma partida de futebol num estádio. E fomos lá. Era um jogo onde Ronaldo Fenômeno marcaria dois gols contra a Ponte Preta e o Felipe levaria o frango que entregou o empate ao time visitante. Saímos felizes de ver o cara que transformou a dinâmica comercial do timão, o garoto midas da Nike, que sabe tudo da coisa comercial do futebol. Faz golaços dentro e fora de campo. Ali a transformação já estava em curso.
Mas o que aconteceu a seguir, com a realização daquele que considero o Estádio mais bonito do país, onde me acomodei com liberdade e fui acolhido num jogo entre Argentina e Suíça, aos gritos, pela torcida Corinthiana, foi uma experiência transcedental. Passava pelos lugares, com aquele cabelo do “yellow” e era sempre algo parecido. O Biro Biro ficou marcado nas idas ao Itaquerão, caçando brazucas, para o Concurso promovido pelo Mosaico Esportivo. Ali, foi inevitável assinar um acordo de paz, me tornando “ídolo honorário” pelos dias de presença ao lado daquela turma calorosa, que secava los Hermanos como ninguém no Brasil.
Foi só depois da última passagem pela transformação para assumir um papel mais latino, cabeleira de Valderrama, que me dei conta das múltiplas possibilidades que tudo isso traria, como trouxeram. Primeiro, no Festival de Curtas, no Cine Odeon, onde estive para prestigiar a amostra competitiva, onde o filme “Uma Bola para Seu Danau”, protagonizado por Marco Palito no papel do escocês, ao lado da bela amiga colombiana, Lilo Puello. Em Bangu, não foram poucos os que me pediram e gritaram em voz alta o nome do maior camisa 10 da Colômbia (que me corrijam os amigos, Jorge Cardona, Ligia Haydee Olaya Rincon, Claudia Rincon, Jaime Andres Castro Frohard). Depois de tirar uma onda, passeando com Lili na Lapa, apresentando a boemia carioca e a história local da música ali nascida, a efervescência multicultural e a variedade de equipamentos culturais, mal sabia o que me aguardava na semana seguinte…
O celular de Sergio Bylucas Brilhante não parava de tocar. E numa dessas, o assunto foi futebol. E nessa rodada, haviam duas decisões em uma: Vasco e Corinthians era um tudo ou quase nada para uma platéia vip de 15 mil torcedores, mais uma vez por essas decisões de cúpula, que retira do espetáculo a vantagem da grandiosidade. A decisão reeditou os erros que levaram o Vasco a se afastar em 2013 do Maracanã, até cair para a segunda divisão. Todos sabem que venho escrevendo minha aposta pessoal nesse time do Vasco que foi reinventado por Jorginho. Ganhou pegada e consistência, um pouco tardiamente, mas joga mais feliz do que o Flamengo, e isso já faz algum tempo. É meio inexplicável. Mas é isso que sinto ao ver as partidas. Há um espírito vivo pulsando em São Januario e vejo a dupla Jorginho e Zinho muito linkados nesse “turning point”.
Então será que assistiria como privilegiado o jogo da Tribuna do Vasco? Foi o que se desenhou. Mas com as dimensões reduzidas, as margens de negociação se estreitaram, para minha sorte, explico a seguir. Acabei ficando de fora do grupo de privilegiados que partiu para se tornar parte da história do futebol brasileiro. Tal felicidade, só tive no último título do Fluminense, disputado no Engenhão, com o gol de Sheik. O Maracanã estava interditado para a reforma da Copa e registrei com requintes de paixão, aquela conquista, para mim tão carioca.
Retomei as atividades de trabalho, que me levaram a casa de Mauro Mallet no Encantado, que estava todo de pé (ou sentado, dependendo do bar) para ver as duas partidas das grandes torcidas locais: o Flamengo contra o Santos e o Vasco, lá em São Januário, em segundo plano pela TV aberta, mas em primeiro por onde passei. Foi bom ver um novo Centro Gastronômico, com grifes como Barril 8000, e acompanhar o nascimento de uma nova esquina de restaurantes, com o Encantado Mix. Muitos meses distantes daquela atmosfera animada, onde terminei muitas noites do TVNOBAR com Marco Palito, Marcelo Barros (ex-Transamérica) e outros amigos do esporte e da cultura.
Prá chegar ao Encantado, parti de trem do Clube de Xadrez Bangu. E ao escolher uma das quatro portas por onde via gente lotando as composições num horário atípico, fui deixando passar e pulei o mais distante possível da escada de descida de passageiros, a espera de ir menos espremido… Pulei já com as portas se fechando, e me deparei com um grupo de peso da torcida organizada do Vasco, e cercado por todos os lados, ouvi um deles dizer: “ih, é o Biro Biro, caramba!”. Imediatamente, com o repertório treinado para sobreviência e instinto, gritei como réplica: “Biro Biro não! Aqui é Valderrama, tipo Colômbia!”, espichando mais ainda os cabelos, para que ficassem ainda mais distantes do padrão do ídolo do Parque São Jorge…
Um deles imediatamente já me associou ao movimento do pó, pelos traços e estilo, como se essas coisas tivessem rosto especificado. Respondi que já estou sofrendo desse vício, e tenho até uma fornecedora, filha de uma amiga, que a toda visita a sua casa, insiste em me oferecer o pó de TANG de laranja e eventualmente limão! Aí, o clima relaxou um pouco, e alguns caíram na gargalhada.
Mas a parada esquentou mesmo, quando um deles olhou minha bolsa, aberta, com o ziper destruído pela ação do tempo e visualizou meu cammel bag, o kit de sobreviência na selva, que uso para hidratar, com dois litros de água. O bico desse desse artefato já foi confundido com microcâmera, nas atividades da Copa do Mundo e por crianças. Mas daí para o cara me chamar de homem-bomba de Paris em pleno Santa Cruz-Central do Brasil foi demais. Tudo acontecendo em segundos, até que senti minha carteira “escorregar do meu bolso” e cair nas mãos de uma das pessoas atrás de mim. Me virei no espaço de um flash e pedi que me desse, dentro do espírito da brincadeira. A resposta que dei a acusação de ser um representante das Guerras e da violência foi que era da paz. Retrucaram, “paz coisa nenhuma!”, “isso aqui é morte, bomba e porrada”. O clima ficou quente, gostaram do meu óculos. Perguntei se algum deles tinha um ingresso para assistir o jogo em São Januário e um deles me respondeu que sim, mas só lá na Barreira do Vasco. Ali, foi o momento divisor de águas. Queriam saber o que eu iria fazer lá, e disse que gostaria de assistir o jogo entrevistando eles, pois atuava como jornalista esportivo.
Foi inevitável uma fotografia da turma toda. Na verdade três, e a promessa de uma matéria publicada sobre esse encontro. Na verdade nenhuma foto. Pensando bem, um deles me pediu para apagar as imagens, pois afinal, estavam num momento de lazer e não queriam estardalhaço em casa. Compreensível. Além disso, aproveitaram para fazer a deles próprios para lembrança mais restrita ao grupo. Nem sempre visibilidade é a melhor solução.
É claro que meu celular também virou objeto de desejo, passados alguns segundos desse momento de transe coletivo e o grupo, meio dividido entre me odiar e me amar. Um deles, sabiamente, aconselhou de longe, que era chegada a hora de seguir para um outro vagão, pois a coisa poderia azedar, por uma mudança de humores do bonde. Parti para a baldeação em Madureira, para descer em Piedade. E ao atravessar a pasarela para pegar o parador, a surpresa foi que peguei uma parte do mesmo grupo nesse outro trem. Mas ali, a história já era diferente. O policiamento da Supervia, solicitou a descida dos torcedores do vagão e foram revistados, ficamos ali, detidos por algum tempo, até que a adrenalina baixasse e todo mundo pudesse seguir numa boa, para seus compromissos e destinos.
O Corinthians se sagrou campeão brasileiro, o Vasco ainda sobrevive, e eu transitei de trem, bonde e tribuna, nessa mesma inesquecível tarde-noite.

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