EVENTOS EM TEMPOS EXTREMOS

Event, Venue, Risk… Três palavras, e a reverência ao historiador Eric Hobsbawm, autor do livro A Era dos Extremos. Nossa época é banhada de confortos, por onde se infiltram as piores práticas, pela participação de minorias extremistas, que acreditam que o mundo deve ser talhado para os fortes. Na encruzilhada desse dilema, pelo menos duas vias se encontram no Oriente Médio. Os que planejam eventos para entreter, passatempos que alguns chamarão de burgueses, enquanto no underground se fabricam guerras. Diante das duas atividades lucrativas, qual escolher?

Quando o meio-ambiente é extremo, você pode estar saindo de casa para se divertir e acabar no cemitério. Na dúvida, a escolha do lugar passa a ser a caverna. O medo se espalha pelo espaço. Os animais, conectados com a natureza, sinais de alerta, mas também viram vítimas. Nós fomos cercados, e de várias formas, algumas são resultado da ganância e não irresponsabilidade de organizadores.

Nunca esquecerei do dia em que me dispus a levar a um show de Heavy Metal realizado no Sambódromo, duas jovens adolescentes, filhas de um grande amigo. No intervalo, a curva na descida da passarela da arquibancada do Sambódromo congestionou, a pressão aumentava com uma parte querendo subir e outra buscando descer. Coube a nós, gritar comandos que acalmassem os que ali estavam, buscando contornar a situação e evitar uma tragédia. Felizmente saímos daquela, com as mãos agarradas fortemente, umas nas outras, quase em oração. Meu único pensamento era salvar as meninas, e devolve-las vivas aos pais. Décadas mas tarde, encontrei uma delas, trabalhando ao meu lado, como fotógrafa da AFP, com uma blusa da NASA, em São Januário, fazendo a cobertura de uma partida do Vasco da Gama, durante a pandemia.

Em 2017 decidi não participar mais da cobertura no Sambódromo do carnaval carioca. A precariedade matou, e continua matando. A atitude durante e após os episódios trágicos dava a certeza do pouco caso dos organizadores. Escrevi sobre medidas a serem tomadas, quem sabe um dia. Não sem antes mais mortes pelo mal uso das pistas e dos carros impróprios ao espetáculo, máquinas mortíferas. O descuido, o despreparo, a ganância, o menosprezo pelo valor da vida está tão presente aqui, como lá. Mas o peso relativo é diferente. Em dia de Zumbi, a carne mais barata do mercado, ainda é a carne negra, não apenas no sentido literal do termo.

Em 2022 decidi interromper as atividades de cobertura esportiva in situ, para me dedicar a preparação rumo a outros desafios. A única exceção para entrada em estádios, a Taça das Favelas, pela mudança que essa iniciativa pode representar e o Jogo das Estrela, promovido pelo Zico, no Maracanã, contando com sua presença após uma cirurgia no joelho e a de um jovem a ser avaliado presencialmente chamado Endrick. Além da progressiva desvalorização da atividade profissional de jornalismo esportivo, pesou o quadro de violência sistêmica normalizado pelos organizadores. Não passou muito, mortes, mortes e mais mortes, foram sendo noticiadas, espalhadas pelo Brasil. As torcidas tornaram explícitas sua face aderente a criminalidade e o poder público cruzou os braços, para assistir de camarote.

Qualquer evento e seus lugares, implicam em riscos. No caso do entretenimento, cabe aos realizadores reduzir os riscos, a partir da identificação dos mesmos.

Imaginem vocês o efeito no valor das ações da tragédia de um show? O suporte comum em diversas versões do Rock in Rio, no que diz respeito a água em farta quantidade, é uma das questões sendo levantadas nesse momento, já na página Wiki da T4f. É curioso observar que não poucas vezes, falta água, mas nunca bebidas alcoólicas. E isso é uma questão de saúde pública.

Imaginem como afeta negativamente a imagem de uma artista do porte da Taylor Swift, a morte de seus seguidores em um evento seu, no Rio de Janeiro? Pelo visto, a cultura dos interesses, vai procurar sutilmente, “apagar” esses fatos na narrativa oficial da história da cantora.

Essa espécie de “coabitação” entre eventos de massa e risco é um tema ao qual me dedico a pesquisar faz décadas. No campo esportivo, musical, cultural entre outros, não faltam exemplos. Quem lembra do cantora pop Ariana Grande, no Manchester Arena, em maio de 2017, onde 22 pessoas morreram num atentado suicida. Os cuidados para a Copa de 2018 na Rússia foram redobrados, especialidade daquele país é a segurança e controle, fatores correlacionados as ditaduras. Por lá, ingressos, lugar marcado e identificação individualizada para cada torcedor, visitante no país, tal qual qualquer jogador em campo, antecedida de fichamento na polícia federal de lá.

Riscos dali, riscos daqui. Em 2009 foi a vez da Madonna sofrer com a morte de duas pessoas na queda do cenário de um show em Marselha. Esse ano mesmo, em maio, no Saqua Moto Rock 2023, enfrentei duas noites embaixo de água torrencial, na Praça do Coração, sendo que na primeira delas, não houve qualquer possibilidade da realização. Uma das coisas que é preciso saber, não vale a pena morrer por um espetáculo.

Quem pode falar com autoridade sobre o assunto é Azra El Akbar, de uma das famílias vítimas da maior Tragédia Natural do Brasil, em atuação como produtor de eventos, com o show desse final de semana cancelado, uma vez que o temporal arrastou toda a estrutura montada no Parque de Exposições do Município de Teresópolis. Nada se falou sobre isso na grande imprensa, que repercutiu somente o caso Taylor Swift. Após as declarações sobre devolução de valor somente para os que solicitassem até as 6 da manhã da segunda-feira, a empresa responsável teve que voltar atrás e declarar que é obrigada a cumprir a lei. Não espere das empresas benevolência, não são dirigidas por pessoas com esse perfil. E quando o foco é lucratividade, ainda que o valor a retornar represente migalhas perto do que se ganhou, o mindset da liderança é limitado ao lucro.

É de se esperar uma consciência, envolvendo novos protocolos na realização de atividades desse porte, que possuam entre outras coisas, parceiros como bancos e seguradoras, quando as coisas chegarem a esse ponto. Sem pessimismo, em algum momento acontecerá o prejuízo em grandes proporções, seja pelos valores investidos e ou volume de envolvidos, seja pelo aumento da instabilidade de nossa realidade. A análise de risco deve ir além do aspecto financeiro, mas abranger também perdas mais intangíveis, dessas que deixam cicatrizes.