LIVROS CENSURADOS E AQUECIMENTO GLOBAL

Sou morador de uma cidade em risco. Sob muitos aspectos, a Cidade do Rio de Janeiro, conhecida pelas praias e sol, é um lugar que enfrenta perigos produzidos nos últimos dois séculos. Um deles é o risco climático. Chegamos no dia de hoje a uma sensação térmica de quase 60 graus Celsius,  esse senhor, outrora chamado de centígrados que pouca gente sabe exatamente o que significa. Já não resta dúvida de que falaremos mais dele, por conta de mortes multiplicadas por cinco, além de AVC’s e queda de produtividade em geral. Resta saber qual a parcela da população está mais vulnerável, e vai morrer. Também não adianta reclamar do desgaste e do “chinelinho” dos atletas que jogam por aqui. O Maracanã não tem ar condicionado, como no Qatar.

Impedir o acesso a informações sobre a agenda “Environmental, Social, and Governance” (ESG) é assumir a relação de conflito e lobista de setores que dominam a economia atual, baseada em combustíveis fósseis e armamentos, binômio vencedor. Não podemos cair nessa, sendo um país de natureza abundante. Deixemos os desertos para os outros e vamos liderar o repovoamento de nossos BIOMAS.

É fato que o homem dominou o fogo, e que…

queimar livros é uma prática comum e antiga, entre conservadores do status quo. Conhecimento nunca foi bem visto, menos ainda para se disseminar. E isso é um entrave enorme para as mudanças. Num mundo onde é bastante possível encontrar pessoas que nunca ouviram falar nas tramas de ficção de Sherlock Holmes – mesmo depois de adaptações para o cinema e séries – vivemos esse impasse. Sempre disse aos meu pares da comunidade científica que tão importante quanto “descobrir a pólvora”, é fazer com que essa descoberta chegue até a vida, e ao alcance do cidadão comum.
Um desafio e tanto, a julgar pelos obstáculos.
Tenho acompanhado um movimento em expansão, no que diz respeito a uma parcela crescente da população que não assiste mais TV, a não ser para ver novela ou futebol. A realidade está tão bad vibe que a carga emocional e o desinteresse acaba sendo admissível. Muita coisa de excelente qualidade e com validação científica, bem produzida, com formatos confiáveis e consolidados são conteúdo de utilidade pública. Como ser contra um Globo Repórter que anuncia o tratamento de glaucoma, catarata e doenças dos olhos, e seus últimos desenvolvimentos e medidas para salvar o direito a tratamentos para quem nem sabe que ele existe? O formato superficial de circulação atual, que já foi o Orkut, hoje é o WhatsApp e um pouco das vitrines do Instagram.
Chega a ser estranho como pesquisas são noticiadas nos jornais, muitas vezes contraditórias e de um mesmo grupo editorial, ou seja, ideologicamente alinhados. Fui surpreendido com a notícia de uma quase totalidade de brasileiros cientes do aquecimento global, mas sem dar a esse assunto uma priorizada. Essa interpretação pode levar a diversas conclusões, e uma delas, não citada, é que temos urgências muito anteriores a pauta ambiental, entre elas a violência, a desigualdade social, e diversas vulnerabilidades que antecedem a morte por temperaturas altas.
Para o povão, o assunto é de longo alcance e muito abstrato. Não é por serem “individualistas”, mas por terem demandas pontuais imediatas, tais como pagar as contas no final do mês.
Sem o básico não vamos. Numa cidade como o Rio de Janeiro, o que será objeto de conversas entre moradores? O incêndio de 38 ônibus públicos ou os 60 graus de sensação térmica? Os desastres naturais que se espalham do Oiapoque ao Chuí não são tão palpáveis, quanto a insegurança, a impossibilidade de ir e vir e a deficiência no transporte público.
Mas é certo que a educação mais elevada gera um maior grau de responsabilidade cidadã para com o Meio-Ambiente. E nesse caso, os livros são parte indispensável para que esse processo aconteça no grau mais elevado possível.
Nesse ponto me chamou atenção a recente decisão do Conselho de Educação do Estado do Texas, que literalmente censurou a maioria dos livros sobre Mudanças Climáticas. Dos 12 textos de natureza científica, apenas 5 foram aprovados pelo Conselho, composto por 15 membros. É indisfarçável, não é a primeira vez, que a Ciência sofre com a censura. Diga-se de passagem que o pai da Ciência Moderna, Galileu Galilei, teve sua obra proibida para publicação, além de ter sido obrigado a se retratar quanto as suas descobertas, sob pena de morte. Por sorte, era amigo do Papa, se safou. Sua obra teve que esperar algum tempo para só então ser publicada.
A censura a todo e qualquer artigo científico, validado por sua comunidade, pelos pares daquele campo do saber é uma ignorância alinhada com verdades absolutas. Não podemos seguir com melhores práticas sem as contribuições e métricas que a ciência nos oferece, para apoio a tomada de decisão. E isso é válido também no âmbito dos rumos da sociedade, que só será plenamente imune as fake news se tiver seu nível educacional e padrões de vida minimamente dignificados.
O livro, já é um material censurado, porque em extinção, dado que não corresponde mais ao meio principal de acesso a informação e aprendizado. Agora, promover a censura explícita de livros, usando mecanismos institucionais é equivalente a proibir o uso da bíblia e sua comercialização. Retrocesso, era das cavernas, obscurantismo.
Fora isso, é acreditar nas escrituras e no apocalipse com o fogo do inferno nos queimando a todos. Por favor, não vamos nos precipitar, não precisa ser agora…