O ATRASO, A EXTINÇÃO DE EMPREGOS E O IA DA NOVA PRODUTIVIDADE

Quantas pessoas perderam seus empregos quando a roda foi inventada? Qual o número de bravos guerreiros foi dizimado pela invenção das alavancas, flechas, ou realocados para a função de arqueiros? E os artesãos que antecederam a 1a Revolução Industrial? Qual o quantitativo de baixas na população levada ao desemprego sem alternativas a sobrevivência?

É certo que Domênico de Masi, com quem estive e de quem pude ler “O Ócio Criativo” – tenha na sua ampla base de pesquisa no campo da sociologia do trabalho muitas dessas respostas.
Por diversas vezes, ao passar pela Av. Brasil na altura de Guadalupe, me deparava com um muro de fábrica, cujo título era Remington Rand. A história das fusões, incorporações e envolvimento com diversos momentos do desenvolvimento tecnológico dentro desse grupo remete quase a uma mitologia, envolvendo o primeiro teclado QWERT em máquinas de datilografar, fabricação de pistolas para a II Guerra Mundial e o famoso UNIVAC, computador tiranossáurico que ocupava o espaço equivalente a uma garagem de carro.
Coube a um amigo que já frequentava aulas de digitação, recuperar seu diploma do curso de datilografia elétrica, prova de uma dessas tentativas de um determinado setor industrial escapar da extinção. Isso faz uns trinta anos, ou mais. Seria impossível que alguém gastasse seu dinheiro para comprar uma máquina de datilografar elétrica, rápida, bonita, robusta, no lugar de um computador com editor de texto.

É que além de digitar, o novo cabra da peste possuía corretor ortográfico em vários idiomas, acoplava-se a dicionários como o Aurélio, incluía dicionário de ideias, sinônimos, Thesaurus, editava e copiava, alterava tipologias, entre tantas outras novas funções versáteis, cumulativas e de produtividade.

Daí pra frente a coisa avançou, e no lugar do auxílio aos letrados, para que errassem menos – ou ganhassem o tempo de ter que recorrer ao pai dos burros – já recebiam inclusive sugestões para construções mais inteligíveis de frases. Muitos grupos corporativos se beneficiaram disso para realizar, por exemplo, contratos sob a forma de módulos, dando uma produtividade e flexibilidade as negociações jamais visto. Acompanhei trabalhos geniais – realizados pelo amigo Bafa no Banco da Bahia – daqueles  que eram de deixar qualquer um com inveja. Automação de processos, já falei sobre isso, o que muda agora é o objeto.

Como assim?, objeto? É que entramos na Era da Automação do Conhecimento. Antes de falar dela, darei um exemplo simples. Embora não seja desejável, é possível para uma pessoa qualquer, com muitas lacunas de conhecimento em matemática, utilizar com bastante destreza um conjunto de equipamentos, exercendo a função de caixa de supermercados. Os produtos com seus respectivos códigos de barra, tem seus preços em bancos de dados do estabelecimento, bastando que o leitor seja direcionado para que o processamento da conta de soma, a verificação das quantidades, se um ou dezenas daquela mesma mercadoria e a unidade de peso ou alguma outra.

A partir do total, entra em cena o pagamento e pronto, no máximo um obrigado e um próximo numa daquelas filas usuais. A operação de uma máquina de calcular libertou as pessoas comuns da obrigatoriedade de serem alçadas as olimpíadas de matemática dos realities de final de semana. E foi assim que, 60 anos depois,  o terreno da Remington Rand foi ocupado, não por sem terras ou alguma cracolândia, mas pelo Atacadão.  O nome disso é produtividade, como vantagem competitiva.

Poderia discorrer sobre diversos outros exemplos, que anunciam substituições funcionais e extinções de atividades outrora de natureza humana. No lugar de estivadores carregando sacos de arroz de 50kg nas costas, empilhadeiras. Acabou com a integração entre Supermercados e seus antigos pontos de distribuição logística a revolução do chamado atacarejo. Toda crise de poder de compra gera uma oportunidade para entrada de competição que possa vender o chamado “feijão com arroz”, mais barato. Armazenar e vender utilizando um só lugar trouxe economias antes não imaginadas pelos grandes convencionais com suas suntuosas estruturas de custos. A inflação e alguns desastres econômicos obrigou redes a repensarem. E aquela história do “quem desdenha quer comprar”, aconteceu com Abílio Diniz, com quem estive, do alto de toda sua soberba. Teve que baixar a bola e readequar discurso e ações para não enterrar o negócio, como já aconteceu com tantos outros no passado varejista.

A revolução que chegará – não mais para os iniciados de TI, mas para a população em geral, inclusive os analfabetos e sem maiores qualificações – é a soma de algumas partes. A expressão “Generative A.I.” é bem específica e se distingue da área de A.I. em sentido mais amplo. O exemplo que darei vai de encontro a uma pergunta feita ontem por um amigo, quando mencionei o conceito da Apple sobre “Spatial Computing”, com seu novo produto, o Apple Vision Pro, com lançamento previsto para dia 2 de fevereiro nos EUA. Ele queria saber se os computadores de mesa, e seus programas estariam condenados – assim como o UNIVAC e a máquina de datilografar – a extinção.
Minha resposta foi que não. Porque os mercados de nicho para usuários de alto processamento gráfico local estão indo de vento em popa, já que todo garoto de 5 anos sonha em ser um Neymar, ou um campeão de jogos eletrônicos. Falei recentemente do recorde do Tetris, batido por um jovem de 13 anos, com software paleolítico, em máquina jurássica, mas usando teclado revolucionário, não existente quando o jogo foi criado. Há uma encruzilhada aí. Essa tal revolução da “IA Generativa”, só vai acontecer para pessoas e empresas que tiverem acesso a capacidade de ultraprocessamento produzido por quem? Pelos superchips “AI-ready” da NVIDIA, a empresa fabricante de placas gráficas de alto poder de processamento, que em maio de 2023 obteve uma capitalização de mercado ultrapassando a ordem de 1 TRILHÃO DE DÓLARES.
Então meus amigos, de que DEMOCRATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO estamos falando? Esquece essa utopia. Vamos mergulhar num acentuamento daquilo que o professor Alberto Santoro denunciava como Digital Divide em suas atividades na área de Física de Altas Partículas. As empresas que deterão os recursos necessários para PROCESSAR DADOS EM NUVENS COM PROCESSADORES AI podem ser contadas nos dedos.
A outra face dessa moeda são as LLM’S, as Linguagens da Amplo Espectro, que permitirão a pessoas sem capacidade de fabricar pelas próprias mãos pensamentos ou outros produtos do intelecto humano, no campo artístico, cultural e do conhecimento em geral, a partir de fragmentos de palavras, balbuciadas por assim dizer, verdadeiras obras, cujo valor ainda há que se discutir, tanto do ponto de vista do mérito, quanto da sua validação social ou científica. O peixe já está sendo vendido faz alguns anos, alguma coisa já é feita, mas o caminho a essa Terra Prometida parece que vai mesmo é promover a demissão de milhões de “analistas ou produtores simbólicos”.
Ou seja, o que o arado e a colheitadeira fizeram com o homem do campo, expulsando-o para as grandes metrópoles, e transformando toda a teia de interações sociais, será reestruturado agora no interior das áreas de serviços, onde imperaram até aqui a acumulação do conhecimento técnico. Há uma forte esperança dos donos, de que eles finalmente se livrem do que no fundo consideram verdadeiros encostos inconvenientes, esses tais de donos das verdades técnicas, para as quais tem que se submeter, ainda que a contragosto. As demissões em massa já estão em curso. Vamos aguardar pra ver qual o grau e velocidade atingirão junto a essa camada mais privilegiada da população, que se julgava inatingível e corre o risco de ser a próxima classe a se juntar aos párias.