O AVATAR, A MOTOSERRA E OS SÍMBOLOS

O Simb0lismo, foi um movimento literário cujo objetivo era representar a verdade por meio da linguagem metafórica e suas respectivas imagens. Sempre tive um especial interesse pela obra de Cruz e Souza, pela sua capacidade de dizer sem dizer, especialmente num ambiente com carga de censura e patrulhamento moral discriminatório. Sua obra pode ser vista como um mecanismo de defesa, criptografia ou papo de maluco pra ninguém entender.

Capital simbólico na política, é muito utilizado por Anarquistas, pela turma da Revolução da Paz e Amor, Diversidade de Gênero, Panteras Negras, grupos de uma variedade imensa da história, fora das estruturas de status quo e minoritárias que buscam visibilidade. Certas marcas se tornam virais. Aconteceu com a motoserra argentina. Há números sobre a insatisfação planetária em relação a classe política. Diante dessa constatação, é previsível o nascimento de uma legião de céticos, que se tornarão inimigos do poder, assumindo a condição anti-sistema. Está acontecendo por todos os lados, daí brotam os outsiders.

É claro que essa situação em nada agrada aos que se julgam altamente preparados, profissionais da política e seus nomeados. A leva de entrantes não cessa de acontecer, sendo necessário em regimes decididos por votos apenas a popularidade. É possível comparar o Movimento Cinco Estrelas, com o comediante Beppe Grilo de 2009 com a eleição de um comediante de seriado Volodymyr Zelensky, que se torna presidente da Ucrânia? Claro que sim. Afinal, na série “Servos do Povo”, lá estava o palhaço ucraniano fazendo sua propaganda eleitoral que durou de 2015 a 2018, para ser eleito em 2019 por um partido de ocasião, criado com o mesmo nome do Programa de TV. Estamos aí, com mais de 2 anos de conflito, e os EUA já tendo injetado mais de 70 Bilhões de US$ na Guerra. Com a abertura do front de conflitos na faixa de Gaza e os problemas locais com a fronteira e imigrantes, Biden não terá mais 60 Bilhões de US$ para seu aliado recente. A geopolítica é dinâmica e não existe cobertor infinito para destruições. É óbvio que Putin sabe disso e opera com o tempo do relógio de xadrez.

Agora, imaginem os senhores, se no Brasil alguém criasse um partido chamado BBB? Estaria eleito pelo reality que gera a maior audiência da história da TV brasileira, disso não duvido. A disputa em questão é pela atenção da população pelos símbolos. São eles que elegem. Ficamos comovidos com o Avatar de James Cameron e a proteção das Florestas? Sim. Mas isso de nada adiantou sequer para que a carta final citasse a eliminação dos combustíveis fósseis. Tendo acontecido sob as barbas dos maiores produtores de petróleo do mundo, você esperava algo diferente? Dubai é o símbolo da opulência produzida por esse padrão de riqueza. Colocaram a raposa pra tomar conta do galinheiro, o CEO escolhido, um desses sheiks. Esquece, não tem como dar certo, vale a viagem e a domesticação da militância, com direito a distribuição de presentes, jóias, jantares e etc.

Acompanho o drama argentino em sua luta frente a desafios econômicos desde que falávamos sobre o efeito Orloff, que significava que todos os erros cometidos por lá, aconteciam logo a seguir por aqui. Nós interrompemos esse ciclo. Por lá, eles se perpetuaram, se aprofundaram e o Brasil não lhes serviu de exemplo. Israel fazia parte desse grupo de países onde a hiperinflação era um flagelo. Continuamos com outros problemas, mas desse nos livramos, por enquanto.

A motoserra argentina foi um símbolo forte, a resposta das urnas, uma intuição popular sobre a inépcia do Estado, sua ineficiência e distância da realidade na qual o país anda mergulhado. Cortar despesas domésticas é o que qualquer cidadão faz, quando não possui recursos, e no limite vai viver em regime de Economia de Guerra. Fazer de conta que nada está acontecendo e tentar agenciar politicamente, empurrando com a barriga, uma aposta que abre caminho para aqueles que de algum modo captarem o momento e com a popularidade que possuem, venderem seu peixe. Podre ou não, eles vão chegar.

Quanto a Cruz e Souza, não se pode dizer que o simbolismo traz otimismo em sua poesia:

ASTRO FRIO

“Por entre celas místicas, silenciosas, lá te foste emudecer para sempre, ó harmonioso e célebre pássaro do canto, nos pesados claustros.
Cor de rosa e de ouro na iluminada sala dos teatros, trinava para o alto inefavelmente, e, agora, não sei por que tormentosa paixão que te desolou um dia, ficaste infinitivamente reclusa, sob os fuscos tetos de um convento, como uma rara rosa opulenta numa estufa triste, fugindo ao sol dos prados.
Fria e muda estarás, talvez, a estas horas, ajoelhada na capela de um Cristo glacial de marfim sagrado — branca, mais glacial e de mais branco marfim do que esse Cristo, com as níveas mãos de cera e face também de cera macerada pelos jejuns e pelos cilícios, dentro de sombrias vestes talares.
E, assim muda e assim fria, perpassarás como a sombra de um vivo afeto ou de um profundo sentimento artístico, ao frouxo clarão de âmbar das lâmpadas lavoradas.
O teu alado perfil, as tuas linhas suaves, serão, no religioso crepúsculo da capela, como que a recordação do aroma, da luz, do som que tu para a Arte foste.
Nos olhos, apenas uma centelha, uma leve faísca evidenciará o passado esplendor, o encanto que eles tiveram, quando amaram, cá fora no mundo, com as violências do desejo, com os ímpetos frenéticos, vertiginosos da carne.
E os corações que te adoraram, que te ouviram outrora os incomparáveis gorjeios da garganta, que te sentiram a carnação formosa palpitando sob a vitória dos aplausos, ficarão saudosos e perplexos ao ver-te agora assim para sempre enclausurada, para sempre gelada aos fulgores e sensações do mundo, mergulhada, enfim, na necrópole de um convento, como um astro através de frígidas e espessas camadas de neve…”

Imagino a dor do poeta, ao saber que muitos perderam belas trepadas para o convento. Só não concordo que a vida no interior dos mesmos aconteça de forma tão frígida quanto narrado na poesia. Felizmente hoje, sabemos que não e podemos falar sobre isso. A Igreja Católica se tornou um pequeno enclave no seio de Roma, sem o poder de vida e morte frente aos que falem mal dela e denunciem as atrocidades cometidas. Cada qual escreve como sua época permite.