O Relógio, O Tripé e as Palavras

Três situações e o mesmo pano de fundo. Pergunto a vocês o que pode haver em comum entre um tripé fotográfico, um relógio e um lote de palavras? Bem, se fosse em 1917, certamente que nada. Mas em pleno século XXI, o que une esses três objetos para além de suas funções específicas é a sofisticação na forma como são produzidas e os resultados daí advindos. A tecnologia e o conhecimento são determinantes no resultado do que fazemos no mundo moderno.

Sabemos que palavra sempre teve poder e esse poder, transferido para homens que faziam pleno uso dela, acabou sendo transferido para estes. Mas a partir dos centros de cálculo sobre o uso da palavra, como por exemplo o Federal News Service Transcripts, o poder das palavras se deslocou das mãos dos homens talentosos para grupos que operam estruturas que estudam detalhadamente o comportamento humano e seus discursos, reações em massa, usando estatísticas.

Vamos a alguns números práticos da convenção do Partido Democrata Americano, por exemplo. Sabendo que o número médio de palavras ditas num único dia da convenção gira em torno de 25.000 vamos ver que palavras tiveram maior ocorrência por dia, ou seja a cada 25.000 palavras ditas. Em Denver, 2008, o nome do adversário republicano MacCain (78), Energy (49) e Change (89) tiveram forte ocorrência. Isso indica o rumo da campanha graças a uma nova modalidade de estratégia eleitoral: o caça-palavras científico, aplicado a eleições. Se no passado o candidato era dono de um discurso, hoje o discurso é dono dos candidatos, tornando os vencedores marionetes das máquinas de cálculo que definem, como o ventríloco faz, o que o candidato deve ou não dizer.

É claro que num momento de crise econômica, palavras como Economy (32) e Jobs (39) estão em alta no ranking das mais ditas. No entanto, na convenção de Boston em 2004, o nome do candidato republicano Bush (9) e a palavra Change (11) tinham peso muito baixo, comparadas a resultado do ano de 2008 mencionadas acima. War (43), Terrorism (29), e Health Care (47) eram as palavras de maior peso de ocasião. Fazer sucesso pode significar apenas estar atento aos números que as máquinas produzem sobre as palavras ditas. Mal ditas, ou bem ditas, elas controlam as forças do poder mundializado. Existem recursos computacionais em quantidade suficiente para gerenciamento da realidade. A noção de que todo o poder emana do povo, está cada vez mais fragilizada e comprometida e a democracia direta torna-se cada vez mais urgente.

Os tripés para fotografia e filmagem seguem pela mesma esteira. Empresas como a Gitzo oferecem alternativas que fazem a diferença no momento de produzir uma imagem do nível adequado aos nosso tempo. A era do aço e do ferro passou e deixou em seu lugar as ligas de alumínio e magnésio ou a fibra de carbono.

E os preços acompanharam esse desenvolvimento meteórico. Coisa para poucos. Enquanto um tripé chinês de plástico pode custar no máximo uns 50 dólares, os tripés construídos com tecnologias de alta precisão começam nos modelos de função e tamanho equivalentes são vendidos por 700 dólares. Tanto no caso dos políticos candidatos, quanto no caso dos profissionais do mercado audiovisual, a excelência custa caro e a tecnologia que te leva ao paraíso continua sendo para poucos.

É claro que a entrada nesse clube seleto envolve outros custos. Conhecer e saber fazer funcionar a seu favor esses novos recursos implica em anos de dedicação das equipes envolvidas, que também custam muito caro e estão concentradas nas mãos dos grupos capital intensivos. Centenas de opções e variações.

A paradoxal síntese entre o conceito de rigidez que dará a imobilidade necessária as filmagens e fotos, associada no mesmo pacote a uma enorme flexibilidade para obter ângulos e movimentos jamais experimentados e desse modo oferecer a proliferação de novas linguagens e estéticas para o mundo da fotografia e do cinema.

A arte dependendo dos novos suportes e de recursos intensivos para se desenvolver, acaba por virar escrava desta lógica. Muitos artistas mais críticos a essa “subordinação” estão atentos e buscam soluções a as imposições do desenvolvimento estético contemporâneo.

E o relógio? O que mudou no relógio? Bem, o tempo continua sendo a base das medidas derivadas. Mas hoje, por 700 dólares, um mergulhador pode ter todas as informações necessárias para saber o que deve fazer em cada circunstância de mergulho. Ao mergulhar em apnéia, os procedimentos seguem por um caminho bastante diferente do mergulho feito com garrafa. E se ele decidir utilizar as duas formas num mesmo mergulho, o relógio lhe indicará riscos para as próximas 48 horas, proibindo-o terminantemente de pegar um avião. Se insistir em desobedecer o conhecimento que o relógio tem sobre seu corpo, corre o risco de sofrer uma embolia pulmonar. No novo mundo, o escafandro não é mais o instrumento para despressurização. A escala de tempo e o conhecimento sobre o funcionamento da máquina homem transferidas para um chip que o acompanha no pulso, a cada mergulho e simplesmente calcula.

A vastidão desse mundo cada vez mais complexo vai levando o homem a assumir o desafio do conhecimento para realizar sonhos, e ultrapassar limites. Fica a impressão clara de que esse universo continuará por muito tempo a ser habitado por poucos, muito poucos. Um mundo tão vasto e ao mesmo tempo tão limitante ao acesso, é para poucos. Isso é especialmente crítico num país onde o airbag não é obrigatório nos carros em circulação. Nossa população desconhece que deveria ter direito a vida no trânsito, na exata medida do que as tecnologias e o sistema de leis admite nos países mais civilizados.

Vladimir Cavalcante – New Executive Officer – AREEVOL

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