UMA LETRA, DOIS NÚMEROS, SORTE DOS BILHÕES

O nome da empresa é A24. Um tanto quanto enigmático, pode estar envolvida em qualquer atividade de negócio, embora siga o estilo de coisas como a B52. O valor de mercado desse grupo empresarial do setor audiovisual é de 2,5 bilhões de dólares. Nada mal para quem ostenta um perfil de marca de bastidores, ligada a projetos cinematográficos inovadores, garantindo uma independência em relação aos grupos maiores.

Sai de suas entranhas, produções como Uncut Gems, e a série Beef, já disponível no Brasil com o nome de Treta. Na sua cesta de filmes só vale cinema arte, fora das fórmulas batidas e rentáveis Blockbuster e franquias. Pois se nosso ousado artista plástico sugeriu um figurino com caralhos voadores para uma performer de termas, foi em Dicks: The Musical que a A24 teve a ousadia de colocar no ar uma polêmica xoxota voadora. Dá pra sentir por aí que a linha de atividade desses empreendedores não tem nada de conservadora.

Mas então, como ser uma gigante, mantendo um coração de criança? Da parte que nos toca, com lançamento previsto, sairá um dos melhores filmes da leva de 2024, com a atuação de um notável brasileiro, Wagner Moura, em Civil War. Mais um drama distópico na carreira. Já a entrada para o mundo da produção para o universo NFL parece não ter dado certo, perdendo o negócio para a Skydance Media, que parece ter ido além, ao oferecer um contrato de joint venture, criando assim uma empresa de mídia com alcance internacional. É outro papo. É fato que as ligas esportivas fortes já entenderam que na 1a camada é esporte, mas o núcleo do negócio é mídia. E é pra esse lugar que elas estão se deslocando, para se tornarem animais midiáticos.

Nesse cenário complexo, onde produtores de conteúdo podem expandir e dar autonomia as suas produções, é estratégico ser independente na distribuição, garantindo acesso a mercados. Sabemos que a NFL estará no Brasil e segue para a Espanha, com partida já agendada fora do território americano. Tudo isso caminha junto e a A24 dançou, mas deixou nesse caso uma pista nas entrelinhas, vem um Tsunami por aí…

A produtora novaiorquina de Lady Bird e Euphoria, parece que mudará de ares. O Oscar fez bem a saúde financeira da ousadia, a legião de seguidores leais a marca garante uma reputação irretocável. Os caras fazem uma coisa diferente e isso se reflete no interesse de investidores milionários.

Do mesmo modo que Hollywood faz com seus produtos, gerando impulsionamento de outros tipos de produtos por anos, décadas, a A24 mantém em seu site uma série deles, prontos para alimentar seu público de uma forma criativa. Você se sente diferente dos outros, é uma tribo com alta chance de prosperidade na diferença, que ao mesmo tempo se identifica. A qualidade excepcional do selo A24 só encontra a Disney com a mesma reputação, em um mercado decadente para TV e encolhido para o cinema, hoje em torno dos 9 bilhões de dólares anuais, ainda abaixo do período da pandemia.

Os Fundos de Investimento possuem um papel crucial para a alavancagem de certos negócios. Aconteceu que o aconselhamento de 27 milhões de clientes sobre empresas promissoras, baseado em análises de cientistas de dados com uso  de um software chamado Sonar, fez da Stripes o caminho para indicações da A24 não ao Oscar, mas ao acesso a grana de investidores que tem na consultora garantia de ganhos não menores que 46% ao ano.

O Rotten Tomatoes que utilizo para acompanhar a situação do mercado de cinema americano e seus lançamentos, publicou um gráfico muito didático sobre a performance da A24 em relação a pontuação dos filmes da A24 nos últimos 10 anos. Além de aumentar significativamente o número dos filmes produzidos, a empresa possui mais da metade de seus filmes cotados acima de 75, o que a coloca num lugar que privilegia o valor do projeto para o público e crítica. Dali só sai coisa boa, o que acaba se traduzindo em resultado financeiro.

A análise dos riscos envolvidos numa aposta dessas aponta para apoios que consolidaram a A24 numa posição bastante favorável aos olhos dos investidores. Sua história não termina aqui, reserva uma extensão de possibilidades a serem compreendidas pelos atores de nossas produções audiovisuais, em seus desafios mais humildes. Utilizaria a modelagem como termo de referência a produção independente da cena Brasil, cuja mentalidade dominante é ainda impregnada apenas de um ideologismo que se basta, em lugar de ambições mais elevadas por parte de seus realizadores. Sem mercado fica na mão do estado palhaço, subserviente e domesticado.

O resultado na conta bancária não é fruto da sorte, o valor em bilhões não vem de uma loteria aleatória. Há propósito, objetivos e princípios, escolhas dirigidas a dar certo e prosperar. É uma dinâmica muito diferente da que assistimos em nossa realidade, e mesmo nos EUA, na produção audiovisual. Voltarei a isso em outra oportunidade.