UMA ESPÉCIE SUICIDA NO SEXTO APOCALIPSE

1986. Lá estava eu, caminhando por sobre as areias da praia do Francês, em Alagoas. Não me faltavam lagostas, caranguejos e o exclusivo sururu de capote, pra encarar a longa caminhada pela beira daquele mar, ladeado por coqueirais no horizonte infinito.
Vislumbro bem distante, a capital Maceió, terra de meu pai. Subitamente, a cidade sumiu! Foi assim, os bairros foram sugados para uma viagem ao centro da terra, para nunca mais voltar. Naquela mesma semana, um filme na TV exibia lavas de um vulcão engolindo Los Angeles, com uma equipe de geólogas sendo tratadas como roteiristas de um filme de ficção. Hoje, a ficção virou realidade, na terra de Graciliano Ramos e seu Vidas Secas.
A Igreja, coitada, continuará ganhando pontos, anunciando o fim. Do ponto de vista científico, Isaac Newton até tentou calcula-lo para os fatalistas de sua época, os adventistas. Deu com os burros n’água, gerando descontentamento e desmobilização, em lugar de alívio. Sim, fato real, conheço gente que segue líderes que pregam o fim como meio. Muitos treinam homens-bomba.

Quem aposta no fim quer ganhar, mesmo que pra isso faça valer uma profecia da obviedade. Convenhamos, se associar a esse tipo de profecia é a mesma coisa que profetizar que o sol vai nascer amanhã. Só que dessa afirmação em diante você pode acoplar a história que bem entender, com os adereços que lhe interessar. Esse tipo de construção retórica desafia a inteligência humana, nos arremessa aos primórdios, lá no fundo da caverna dos Pirineus. Ou seriam as cavernas do sal gema pra produzir cloro, que a Braskem cuidará de tampar, bem lentamente, até o final dos tempos? Afinal, para a BRKM5, na bolsa de valores, tempo não falta, seu interesse é ganhar.

A lua, 10% da Terra, que se desgarrou e ficou por perto, se afasta 3 centímetros a cada ano de nós. Em algum tempo, não promoverá o efeito das marés, ou eclipse total do sol. É calculável.
Mas e o fim? Estaremos condenados a nos tornar a 1a espécie suicida a precipitar o apocalipse, em lugar de permitir que ele aconteça pelas transformações cósmicas? Espero que não. A palavra da moda entre especialistas sobre impacto do homem nos destinos da Terra é Antropoceno, e se aplica diretamente no caso de Maceió e tantos outros em andamento pelo mundo. Articulando dimensões, quase nunca relacionadas, é possível afirmar que nossa capacidade para o suicídio em massa foi colocada em prática já na 2a Guerra Mundial, com o uso de bombas atômicas nos genocídios da população civil japonesa. Ultrapassamos as linhas de conduta ética bem antes, mas ali consumamos a possibilidade de auto-extinção, só mantida em suspensão graças ao fim da Guerra Fria.

Olhando retrospectivamente para o que fomos capazes de fazer no último século, fica claro que os atuais 6 bilhões de habitantes humanos tornam para quem olha planilhas, os 700 mil mortos de covid-19 no Brasil apenas um número, assim como as 1.200 vítimas em Israel ou os 15 mil na Palestina. A diáspora na Ucrânia, levando 10 milhões para fora de suas fronteiras também não são vistos como “um número significativo”, muito menos os desalojados dos bairros da capital alagoana. Os dramas locais humanos não alcançam peso expressivo nas análises frias, quando comparados aos grandes números da espécie.

O problema ganha outra perspectiva quando olhamos para as espécies mamíferas, ou para as aves, ou para a biodiversidade existente. Ou seja, olhar apenas para o próprio umbigo, tendo o homem como o centro de todas as coisas parece ser um erro estratégico até infantil. Numa palestra sobre “O Futuro dos Museus”, em visita ao Rio de Janeiro #FormsOfLife, Michael John Gorman, criador da Biotopia em Munique. Deixo pra reflexão das Igrejas, 95% dos mamíferos e pássaros na terra são humanos ou criados para o abate pelos mesmos. Já fudemos com o “resto” das espécies, quantitativamente falando.

Deixo pistas sobre a COP28, que traz alertas mais significativos, porque evidentes economicamente. As cadeias produtivas ruirão, essa é a minha profecia, caso algumas medidas não sejam adotadas. É importante dizer, já temos massa crítica suficiente para agir. Deixarei vocês com os que selecionei.

Pra começar, o dilema de deixar a raposa cuidar do galinheiro. Um evento desses em Dubai, sob os auspícios de Ahmed Al Jaber, COE com a missão de reduzir o uso de combustíveis fósseis? Me engana que eu gosto. Já vi esse filme antes, a mudança não virá dos que estão por cima da carne seca, vendendo petróleo pelo preço que o cartel desejar. Muito menos dos acordos entre burocratas das Nações. Então vamos pular esses nomes e capítulo, e dirigir o interesse a nomes do underground.

Na lista da revista Times, na seção de “catalisadores”, escolhi o diretor de Avatar, James Cameron, para mim o responsável por uma mudança cultural, sem a qual não adianta camuflar com economias de bilhões de dólares na produção de alumínio. Sem mudar a perspectiva no nível da percepção do que estamos fazendo, esquece. Quanto aos 3 líderes citados, escolhi Annete Clayton, por sua relação com sistemas de fornecimento de energia elétrica, uma das capacidades onde o Brasil possui uma vantagem competitiva extraordinária, mal aproveitada. Mas poderia ter colocado algum nome brasileiro que lidera esse processo aqui, no lugar dos lobistas de termoelétricas, tentando perpetuar suas plantas de produção energética poluentes. A política estraga muitos frutos de nossa prosperidade local. Essa ambiguidade em relação a uma matriz energética singular, exemplo para o mundo nos atrasa.

No âmbito dos Titãs citados, senti falta do Musk, mas em seu lugar optaram por uma empresa asiática de carros elétricos, que já estacionou no Brasil, a BYD, pelas mãos da Stella Li. Vem pra Bahia, fabricar baterias. Ao que parece, já ultrapassaram a Tesla e tem fome pelo mercado ocidental. Sabemos que os carros, seja lá qual for o combustível para sua alimentação, não é o transporte aceitável para metrópoles. Assunto sem solução, para quem quer levar a sério.

Os inovadores citados, Stephane Germain, Mina Hasman, Kidus Asfaw, Val Miftakhov, Josh Tetrick, Bhavish Aggarwal, entre uma série de nomes citados, estão mergulhados em métodos para métricas de pegadas de carbono e seus impasses com setores produtivos. Infelizmente, diante dos relatos, resta dizer que o máximo que podemos esperar até aqui é uma mea culpa mal feita, com uma nova espécie de lavagem de dinheiro. A lavanderia verde é parecida com a doação que se fazia na Igreja católica, que dirimia o pecador de todas as culpas.

Como no caso de Brumadinho, do Rio Doce, e da Lagoa de Mundaú, indenizações não resolvem o problema causado. Muito menos pena de morte. Precisamos encontrar novos caminhos para encarar a presença humana no planeta. Só se locupletar não basta.